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domingo, 2 de novembro de 2008





Konstantinos Kaváfis
Poemas

Muito se tem refletido sobre a arte praticada nos anos iniciais do século XX, não só pela necessidade natural de uma revisão histórica, mas também pela imensa vacuidade artística da contemporaneidade, em que salvo algumas manifestações artísticas, o que se vê é pura diluição degradada. Dentro desse ponto de vista que nos oferece espelhos para uma evolução urgente, a partir do que é significativo no passado, está a seleção de poemas do grego Kaváfis, com tradução, notas e estudo crítico de José Paulo Paes, relançada pela editora José Olympio, na série Sabor Literário.

Konstantinos Kaváfis, no Brasil, país de pouca leitura e vasta ignorância, não passa de um poeta obscuro, restrito apenas aos iniciados em poesia, a esparsos grupos de universitários ou aos guetos homossexuais, em que alguma louca intelectual goste de exibir em seus lábios trêmulos e afetados, a lascívia latente do poeta se reportando ao seu amor maldito e efêmero, nascido nos cafés soturnos de Alexandria. Nessa seleção, de pouco mais de 70 poemas, é possível perceber, entre outras coisas, que a poesia de Kaváfis tem bem mais facetas do que apenas a sua ousada manifestação homossexual em versos.

Em sua nota introdutória José Paulo Paes demonstra com propriedade as raízes simbolistas e penumbristas do maldito poeta grego. É muito interessante ler esse ensaio literário, uma vez que é possível dimensionar a projeção de Kaváfis em seu tempo e entender como ele foi afetado pelo pensamento corrente. José Paulo Paes faz uma série de analogias entre o estilo libertário e libertino de Kaváfis, com vários estilos de outros poetas contemporâneos do grego.Vale ressaltar das personificações de Fernando Pessoa e Ezra Pound, em relação às personificações criadas pelo poeta Kaváfis.

Além da simbologia, do uso da linguagem e das peculiaridades do metro, da rima e da estrofação, recursos utilizados pelo poeta, são destaques também a textura sutil da crítica social, do existencialismo e a ironia histórica utilizada em livres interpretações. Kaváfis foi contemporâneo de grandes poetas, entre eles, além dos citados, estão Jorge Luis Borges, Yeats, Unamuno, Max Jacob, Guillaume Apollinaire, Paul Valery, Rilke e Manuel Bandeira. Apesar dessa efervescência de estéticas e vanguardas, o poeta resguardou o seu estilo próprio, como fazem aqueles que possuem vozes singulares.

Também é muito interessante perceber como José Paulo Paes se esforça em valorizar os poemas menores de Kaváfis, através do estudo da sintaxe e da escolha lexical, recursos que têm pouquíssimos poderes de conceber uma grande literatura. Mas, de fato, são poucas as sobras contidas nessa seleção. Não por uma questão de estigma ou qualquer outro babado, os poemas menores fazem parte do cânone de temática homossexual. Alguns por serem confessionais demais, em que importam mais o desabafo e não a manipulação da linguagem, e outros por serem efêmeros, sem sustentação diante do tempo.

O legado todo de Kaváfis é de pouca produção, apenas 154 poemas. Mas a importância desse poeta não está na quantidade. Através de uma visão bem particular de compor versos, vários poemas seus entraram na história literária pela porta da frente, com a competência daqueles que são agraciados pela sensibilidade e pelo intelecto. Poemas como “Ítaca”, “À espera dos Bárbaros”, “O Deus Abandona Antônio”, “Idos de Março”, “Termópilas”, “Num Demo da Ásia Menor”, “Teódoto”, “Flores Brancas e Belas como Tão Bem Convinha”, “Ano 200 A.C.” e o surpreendente “Muros”, revigoram o espírito e aprimoram a perplexidade.

Independente de seleções por afinidade ou outro aspecto qualquer, esse é um livro que deve ser sorvido e servido aos poucos. Use-o contra o tédio; para amenizar a chatice de ser o intelectual de plantão; ou para neutralizar a burrice reinante, que tanto nos esforçamos para não fazermos parte, mas basta dar uma olhada ao redor, que é fácil de flagrar caninos errantes.

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