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quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Nem bem seis segundos

A perplexidade
Evocada anda de coletivo
Demarca a posse da janela
Por pouco mais do que
Dois e vinte na catraca

Rose Marri
Amarrotada pela
Ausência de um espelho
Fustigada por três palavras
Sem nenhuma esperança

Vez ou outra ela
Escorre pelo corredor
Comprime a vulva sem vírgulas
Na aba do assento e sente
Mais que um leve tremor

Vinte e quatro horas depois

E mesmo assim
Toda aquela área será interditada
O envenenamento foi pelo excesso de
Parágrafos carcomidos e incisos
Evasivos em pura lascívia
E logo logo estavam todos ali
Olhares sedentos e botas
Muito bem lustradas

Apesar do prédio esquelético
Com vidraças quebradas
E infiltrações informais
Ela parecia flutuar em uma vitrine
Dependurada em cordas que
Ela amava amarrá-las
O silêncio era soberbo como
Um diploma bem dobrado

E mesmo assim
Toda aquela área será interditada
Vão aproveitar a fiação elétrica
Para vender no quilo
Aquela impávida máscara negra
Sem suspiro para os olhos
Será a posse secreta de um
Sobrenome bem nascido

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Quinze para as seis

E ela sentada
Sobre aquele velho banco de Kombi
No meio do terreno baldio
Com a ponta de cigarro
Queimava as fuligens proto-plásticas
Que esbravejavam o futuro esmigalhado
Com os olhos em eterna pesquisa
Vasculhava os recônditos
Daquela alma tão pequena
Posta naquele tão pequeno piolho
Perdido e cheio de nostalgia
Perdido na pele engelhada do seu joelho
Tão pequeno e tão sujo

Aquela voz parecia
Embrulhada em uma velha sacola
Expatriada clandestinamente
De algum supermercado de subúrbio
Você sabe o que é ducha dourada?
É você abrir as pernas sujas
E mijar sobre mim esse espasmo letal
Tire com um abridor de latas
O pecado que há nisso
E ela sentada sobre as sobras serenas
Daquele velho banco de Kombi
No meio do terreno baldio
E ela sorria apenas com o olhar

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009



Bone Machine – Tom Waits
O existencialismo surreal de um trovador

Alguns o rotulam como experimentalista, outros o tratam como maldito e alguns fazem referências reservadas à sua relação estreita com o bizarro e o grotesco, como se fora fruto de uma mente atormentada. Muitos dão às costas à sua estética musical, fugindo dela como os cães fogem das entidades soturnas da noite. Já outros percebem o poder das suas letras e das suas composições, que funcionam como toras de madeira que flutuam ofertadas após um naufrágio trágico. No entanto, poucos têm a devoção que eu tenho por Tom Waits e seu universo existencialista e surreal, enquanto que sagrado e profano.

Realmente não é uma experiência comum ouvir Tom Waits. Sua figura em palco também não é menos estranha. Suas letras extrapolam de todas as formas o tradicional e as receitas de flatulências fartas do mundo pop. Sua voz... Sua voz?! Bem, sua voz é simplesmente um instrumento de travessia entre as dimensões da vida e da morte. Ela é rouca, áspera, grave, soturna, contundente, misteriosa, cínica, irônica, confessional, lírica, sentimental, estratosférica e esquisitamente poderosa em seu encantamento de tudo aquilo que respira e vibra, mesmo que de vidro, de aço, de plástico, de carne, sangue e ossos.

O muro para Tom Waits pode representar uma clausura enquanto fechado em seus fetiches pós-modernistas ou uma libertação enquanto destronado pelas alternativas de convivência com o decadente e ilusório, que se tornou o mundo da alta tecnologia, com suas exclusões clássicas, suas mercadorias, seus consumos e seus acúmulos de lucros. Mas nunca representa para ele o lugar ideal para sentar a bunda e ficar apreciando a paisagem de aniquilamento, com a baba descendo pelo canto da boca. Por isso que ele é infinitamente radical. Por isso que a sua alma é habitada por subúrbios, por trilhos de metrô que se cruzam em uma malha subterrânea, por transeuntes maculados pela vida, que desafogam ou afogam suas mágoas em templos, em infernos ou em bares enfumaçados.

Tom Waits nunca gasta por conta. Sua música é minimalista em seu instrumental, mas transborda elementos em seu entrelaçamento estético. É possível escutar em suas composições traços do blues, do gospel, do rock, da música de cabaré, do jazz, da vanguarda, das trilhas de filmes e de teatro, entre outros itens mais exóticos como o tribalismo e os ruídos. Suas letras são existenciais, com traços fortes do surrealismo, além de um vasto rebotalho urbano, em que a vida, a morte, as demências, os assassinatos, as prostitutas, o amor e o esplendor vivenciados nos cantos e recantos das metrópoles são abordados com freqüência. O olhar de Tom Waits é povoado por ruas, avenidas, pontes, viadutos, carros, vitrines, prédios, terrenos baldios, lixos e mais lixos, vez ou outra parques, além do ser humano em suas mais variadas vertentes, com ou sem segredos.

“Bone Machine” é o décimo quarto disco de Tom Waits, realizado em 1992, pela Island Records. Esse é um disco referencial em sua carreira, não só pelos prêmios arrebatados e pelo deslumbramento da crítica especializada do mundo todo, mas também pela preservação da ousadia sonora e pela liberdade de criação. O disco foi gravado em uma sala de cimento cru, provedora de uma rica textura de ecos sutis, do Prairie Sun Recording studios, na California. A instrumentação, orquestração e arranjos são tão bizarros quanto às temáticas das composições, algumas já clássicas do cancioneiro alternativo internacional. A crítica alardeou as participações de Les Claypool, do Primus, e de Keith Richards, dos Stones. No entanto, elas passam apenas a fazer parte de um universo particular do autor, sem a menor chance de roubarem a cena ou qualquer coisa que o valha.

As dissonâncias permanecem, bem como um certo ar teatral das interpretações. As percussões metálicas povoam todo o disco, além de guitarras acústicas, distorcidas e com timbres inusitados, fazendo companhias a pianos e baixos acústicos encharcados de melancolia soturna. Vez ou outra aparece uma bateria pela metade. Esse é o mesmo caso de alguns sopros. A mixagem das músicas também preserva o estranhamento característico desse autor, que é um dos mais inquietos e radicais de todos os tempos. O resultado final é um dos discos mais importantes da cena contemporânea, simplesmente único. Prefiro não falar das faixas e mandá-los diretamente para a audição.

http://www.torrentreactor.net/find/tom-waits-bone-machine

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009


A história sem embustes

Os donos do Poder – Raymundo Faoro A história da formação do Estado brasileiro


Muito mais infecciosa e nociva do que a interpretação bronca da história é o assujeitamento ideológico que se faz dela. O embuste ideológico da formação do estado brasileiro atende a vários interesses escusos, devidamente dissimulados pela santidade e pela pilantragem dos que estão no poder ou daqueles que dele querem se assenhorar. Eis uma questão de durabilidade e conservação. No intuito de separar o dito do não dito, a pústula da posteridade, bem como o prazo do vencimento, nada melhor do que uma leitura apurada do livro “Os donos do poder – Formação do patronato político brasileiro”, de Raymundo Faoro, esse sim, um verdadeiro patrimônio imaterial da cultura brasileira.

Verdadeiramente essa é uma obra plural, com verdadeiros desdobramentos dentro da história, da sociologia, das ciências políticas, da antropologia e da economia. O livro “Os donos do poder” segue uma trajetória típica de uma obra referencial para todos aqueles que pretendem conhecer a fundo a formação do estado brasileiro, sem embustes, diga-se claramente. Raymundo Faoro desenvolveu uma larga pesquisa e tornou pública a sua tese em 1958. A primeira edição desse livro tinha pouco mais de duzentas páginas, sendo que o autor fez algumas revisões e acréscimos ao longo dos anos, sendo que em sua última edição, em 2001, ela atingiu 913 páginas, que tornaram imensas as suas propriedades.

Faoro tem um estilo próprio, com um poder de contextualização peculiar, bem como um poder imagético fora da órbita tecnicista. Como toda obra referencial tem suas próprias referências, foi em Max Weber que Faoro instituiu o seu ponto de partida para sua tese, valendo-se principalmente dos conceitos de “patrimonialismo”, “estamento” e “capitalismo dirigido”, além de outros conceitos, largamente utilizados por Weber em sua monumental obra “Economia e Sociedade”. Assim, a tese defendida por Faoro e acolhida por um número extremamente significativo de estudiosos do mundo inteiro, foge da concepção marxista da formação do estado brasileiro através de uma herança imperial de vassalagem, bem como do dualismo defendido por Celso Furtado e seus simpatizantes.

Em seu caminho paralelo ao cânone e fundamentado em aprofundamentos históricos, além do mapeamento de documentos e a ordenação simplista de fatos, - expedientes típicos dos historiadores escravizados pelo apelo das bijouterias midiáticas e pela miopia de patranhas das pesquisas engendradas em folhetins lidos nas salas de esperas de proctologistas – Faoro faz um abalisado estudo crítico da formação do estado português, desde a sua fundação com a dinastia de Avis, para chegar ao Brasil colônia, Brasil império, com o Brasil república de Getúlio Vargas. Faoro analisa detalhadamente como surgiu e como recrudesceu o patrimonialismo da monarquia portuguesa, em que o estado é patrimônio do rei, absoluto em sua engorda de autoritarismo, ficando abaixo apenas de Deus, em que pese aí o complexo aparelhamento de dominação do coloio igreja e estado.

Depois de estabelecer as raízes e a expansão do patrimonialismo tradicional em Portugal, Faoro chega ao patrimonialismo modernizador da era pombalina na segunda metade do século XVIII, revelando em minucias a máquina opressora do estado portugues através da horda parasitária da aristocracia transformada em uma elite burocrático-técnica a serviço do estado, sendo ela mesma propriedade inconteste do rei, alimentada e dominada pela generosa distribuição de títulos e benefícios imediatos, criando assim uma extensa e podre rede de corrupção despótica, em que o famoso “Livro da Capa Verde” – Regimento Diamantino – é um indelével exemplo da crueldade tirânica que estruturou a ganância e a bandidagem da monarquia portuguesa no Brasil.

Quando Faoro analisa a transição do patrimonialismo modernizador para o patrimonialismo estamental liberalista do Brasil imperial, contextualizando todo o arcabouço de tramóias, canalhices e usurparções geridas pela chegada da família real, pelo repatriamento carcerário do rei, pela regência mórbida e derrocada frente à república, até chegar aos estamentos e cooptações políticas da velha e nova repúblicas, tem-se a nítida revelação de que as fundações de um modelo político com origens feudais, a partir da posse de terras, com seus mecanismos monárquicos de manutenção do poder é apenas um simulacro da realidade do patronato político brasileiro. Percebe-se facilmente, sob a nitidez crítica de Faoro, que a nefasta práxis de apoderação do patrimônio público, através de roubalheiras, acordos e politicagens, por parte dos representantes públicos, é na realidade uma herança portuguesa, com certeza, viabilizada pela perenização dos estamentos oriundos dacriação do estado portugues e da colonização brasileira.

Obviamente a falta de uma estratificação mais detalhada sobre os vários tipos de estamentos, como uma exposição aprofundada da participação da igreja, das armas e do sistema educacional, desde a criação e manipução de um cânone, até os desdobramentos desses tentáculos de manutenção do poder nos ensinos básicos, não mancham absolutamente em nada o mérito indiscutível dessa obra. Vale salientar, também, que o tempo de leitura e o aparato intelectual para a abordagem dessa obra fantástica, vão muito além do necessário para se abordar periódicos canhestros como a veja, cadernos provincianos do Diário do Nordeste e toda uma gama de anedotários do google e cia.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009


As Claras - Bá Freire
Música brasileira para brasileiros gringos


Um disco repleto de brasilidade e muito sentimento musical é o que você encontra em “Às Claras”, terceiro disco de Ba Freyre, esse paraibano de coração caririense e voz internacional. Dono de harmonias sofisticadas e melodias que extrapolam em sensibilidade, Ba reaparece em disco com a maturidade própria de quem está há muito tempo na estrada.

Ba tem uma ligação muito forte com o Cariri. Aqui ele fez parte da grande banda “Ases do Ritmo”, com uma formação inesquecível: Cleivan Paiva, Hugo Linard, Demontie de Lamone, Neno Batera, Fanca, Jairo Starkey e Bill Soares, que depois faria parte do “Papa Poluição”, lendária banda de rock-rural. Depois Ba liderou um dos grupos mais promissores da música nordestina daquele período: “Aves de Arribação”, participando com destaque em vários festivais.

O grupo contava então com essa formação: Ba Freyre; Cleivan Paiva; Izanio Santos, que também fez parte do “Ases do Ritmo”,; Demontier de Lamone; e Tapioca (Audizio Gomes), também conhecido como Audizinho, que também fez parte dos Ases do Ritmo e do grupo “Nessa Hora”, que acompanhava Abidoral Jamacaru.Depois de conseguir ganhar prestígio no meio artístico de São Paulo, o grupo acabou se desfazendo e cada um seguiu seu caminho artístico.

Ba lançou seu primeiro disco, “Nação Cariri”, depois de desenvolver uma sólida carreira de shows e parcerias importantes em São Paulo, como Tom Zé e Zeca Bahia. Como todos de sua geração, sofreu na pele a imensa dificuldade para lançar o trabalho em vinil, pois o mercado era extremamente fechado e os custos eram exorbitantes. Mesmo assim lançou esse disco com composições com o seu parceiro maior Rosemberg Cariry.

Depois de muitas andanças Ba viaja para Israel e lá consegue se destacar em diversos festivais de jazz, devido à sua forte formação musical brasileira. Lá ele formou sua banda e fez carreira reconhecida nacionalmente naquele país e lançou seu segundo disco, sendo esse ao vivo. Já com um nome feito e uma reputação de cantor e compositor de latin jazz, Ba Freyre desenvolveu sua carreira pela Europa, participando de vários festivais, chegando a abrir um show de Gal Costa.

“Às Claras” é uma espécie de balanço geral de todas essas experiências. É um disco que tem bossa, samba, xote, bolero, funk e baladas, além da étnica “Bahia Lugar de Amor”, faixa que fecha o disco, apontando para uma mistura de ritmos e culturas. Todas as faixas do disco respiram, inspiram e transpiram a brasilidade musical de Ba Freyre, formado na escola nordestina de Luiz Gonzaga e Hermeto Pascoal, bem como no delírio harmônico da bossa-nova. O disco conta com o apoio dos músicos Ítalo Almeida, teclados e arranjos; Cainã Cavalcante, violões, guitarras, cavaquinhos e violas; e Miguéias de Sousa, baixo.

Os destaques vão para as faixas “Acender”, um sambossa de harmonia elegante e melodia sofisticada; “O canto da volta”, um baião irresistível, cheio de manhas e malandragens de quem conhece esse ritmo com identidade legítima; “Toma lá dá cá”, um sambafunk com groove classudo, cheio de grife brasileira; “Deusa do Oriente”, uma pegada étnica com swuingue policultural, com ecos da África e de Cuba; “Céu da boca”, uma parceria minha e dele, nascida na mansidão do Parque Ibirapuera, de São Paulo, em uma tarde inesquecível: pelas cores, pelos brilhos, pela viagem, e pela amizade selada em grande harmonia.

“Flor da Magia” é uma faixa que merece destaque especial, pela sua harmonia e pela sua melodia, além da interpretação inspirada de Ba Freyre. A letra é de Zeca Bahia, autor de várias músicas inesquecíveis, como “Porto Solidão”. O tratamento acústico dado a essa composição faz dela uma das grandes canções de 2008. Essa é uma grande composição, rara em nosso cenário atual e que confirma o talento nato de compositor desse paraibano de Souza. Além de todo esse talento indiscutível, Ba é um músico extremamente moderno e um cantor de mão-cheia, com uma afinação perfeita e um timbre de voz que recebeu com agrado a generosidade do tempo. É com uma satisfação imensa que eu digo: que bom rever você meu amigo!

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009


Cabelos de Sansão – Tiago Araripe
A força continua presente

Ontem, dia 04 de janeiro de 09, foi o lançamento do cd remasterizado “Cabelos de Sansão”, de Tiago Araripe, editado pelo selo Saravá, de Zeca Baleiro. O palco escolhido foi o do teatro do Sesc em Crato. Foi um dia para rever amigos e relembrar momentos importantes de minha trajetória em São Paulo, na qual vivenciei todo o período de efervescência cultural da Lira Paulistana, em que esse trabalho de Tiago está inserido.

No início dos anos 80 a cidade de São Paulo foi arrebatada por uma cena artística musical revolucionária, com as tendências independentes apresentando suas alternativas de criação e difusão, enquanto que o esquemão apostava suas fichas na rebeldia fake do chamado brock e no pastiche pop da sonoridade plastificada dos Olivetes e Massadas da vida. Eram tempos de crise e de esperança, pois prenunciava no horizonte a concretização do fim da criminosa ditadura militar.

Além dos chavões de praxe, nomes como Ritchie; Itamar Assumpção; Absynto; Grupo Um; Radio Táxi; Aguilar e Banda Performática; Marquinhos Moura; Arrigo Barnabé; Tiago Araripe; Tetê Spíndola; Eliete Negreiros; Pé Ante Pé; Rumo; Premê; Língua de Trapo; RPM; Rosangela; Jessé; e tantos outros tragáveis e intragáveis dividiam inusitadamente o mesmo tanto que extremadamente as atenções e as intenções. Aparentemente havia espaço para todos, no entanto os independentes conquistavam terreno com unhas e dentes.

Para mim foi um momento de grandes descobertas e muito dinamismo. Por minha conta eu misturava, a partir de um radicalismo jamais repetido, Derrida e Lacan com Leonardo Boff e Ariano Suassuna; Zappa e Sun Ra com João do Vale e Elomar; Foucoult e Barthes com Leminsk e Mautner; Husker Dü e Sonic Youth com Medusa e Tiago Araripe; além de outras receitas mais insondáveis envolvendo de Blavatsky a Heisenberg, de Walter Smetack a Terj Rypdal. Tudo isso relembrado em lampejos, ouvindo Tiago Araripe falar mansamente sobre a sua trajetória em São Paulo e a concepção desse grande disco.

O LP foi lançado em 1982 e o cd remasterizado foi lançado no início de 2008. Só agora, no início de 2009 eu tive a oportunidade de colocar as mãos, os ouvidos, a alma e a mente sobre essa sonoridade, agora entendida por mim como transcendental, devido a tantos portais abertos e reabertos por esse autor que sempre esteve para mim tão próximo e tão anonimamente íntimo, seja através do Papa Poluição, que tive a oportunidade de assistir em Fortaleza e Recife, ou seja através das citações carinhosas e inúmeras dos seus companheiros Beto Carrera e Bill Soares, com quem convivi intensamente durante a montagem do show “Notícias Populares”, de Bá Freire.

O tratamento dado ao disco pelo selo de Zeca Baleiro é de uma elegância ímpar. São visíveis o carinho e o respeito ali depositados. Revisitar esse disco depois de tanto tempo, mais de vinte anos, é confirmar que os anos 80 deram frutos saborosos para quem soube enxergar. O disco é absurdamente atual, inclusive em seu senso de humor, como em Meg Magia, por exemplo, uma deliciosa crônica existencial. A musicalidade da banda Sexo dos Anjos permite a longevidade da estética de colagens de Cabelos de Sansão, bem como a lírica epicizante de Tiago garantem um perfeito senso de orientação entre tantas galáxias e nebulosas.

Quando eu ouvi pela primeira vez, no rádio, a música Coração Cometa, anunciada por Maurício Kubrusly, em um programa que ele tinha numa das rádios Fm de São Paulo, – que não lembro qual e nem o nome do programa – em que ele apresentava raridades e novidades, bem como os independentes, eu senti que naquela voz existia uma força criativa sendo trabalhada. Naquele momento eu senti uma grande satisfação e euforia por identificar ali o Crato e o Cariri. Essa sensação eu não havia sentido no show de lançamento e nem nos outros dois shows que eu assisti dele naquele período. O rádio tem essa magia.

Quando eu ouvi ontem Tiago cantando Cabelos de Sansão; Cine Cassino; Fios da Ligth; Estrela do Mar; Redemoinho e Asa Linda; eu senti que aquela força ainda estava ali, agora trabalhada e serena, convivendo equilibradamente entre o passado e o presente. Isso fez com que no palco brotassem novas flores e novos frutos em portais iridescentes, acomodados em uma áurea de sensatez e coerência contagiante. A busca espiritual tem essa magia.