AQUI VOCÊ ENCONTRA ARTES, DERIVAÇÕES E ALOPRAÇÕES

Quem sou eu

Minha foto
Crato, Ceará, Brazil
Um buscador, nem sempre perdendo, nem sempre ganhando, mas aprendendo sempre

segunda-feira, 26 de maio de 2008






UMA REVOLUÇÃO GERAL


Em 1976 eu esperava ansioso pelo novo LP dos Novos Baianos. Não acreditava nos boatos que a banda acabaria e que cada um seguiria suas carreiras. Depois do badalado Vamos Pro Mundo, em 1974, a banda não tinha lançado nada inédito em 1975. E eis que essa pérola aparece, uma porrada de som, injustamente renegado pelos fãs puristas, como também visto de forma pejorativa pelos rockeiros de plantão.

Esse Lp é tão injustiçado que até agora não mereceu o carinho necessário de quem quer seja, muito menos relançamento remasterizado. A verdade é que esse é o lançamento mais importante da fusão musical dos anos 70. O samba e chorinho são misturados aqui à maior pauleira de baixo e bateria que a música brasileira podia apresentar durante aquele período. Os irmãos Jorginho e Didi Gomes deram o peso que o rock brasileiro não conseguiu em momento algum durante os anos 70. Uma PEGADA, na concepção da palavra.

Para o bem geral da nação Moraes Moreira já tinha pegado o beco desde o lançamento anterior, e Dadi também já tinha saído para formar o A Cor do Som. Não que os dois fossem ruins ou coisa parecida, é que a química antiga já tinha dado o que tinha que dar, não rolava mais. Pepeu então assume a direção geral. Na cola da pegada brasuca, que havia consagrado o grupo, aparecem Ziriguidum e Brasileirinho, mas já com a mistura visceral do rock vindo à tona.

A faixa título é uma obra-prima da música popular brasileira, com letra esperta do Galvão e a musicalidade já conhecida da banda, com intenso trabalho de cavaquinho e bandolim, uma verdadeira escola moderna dos instrumentos. As faixas Rockarnaval; Na Banguela e Barra Lúcifer são verdadeiros achados da fusão rockeira do grupo. Solos e afinações alucinadas de Pepeu, que demonstra aqui todo o seu vigor como guitarrista e muito peso, capaz de ser comparado à consistência da cozinha do Led Zeppelin, mas com muito mais balanço e malandragem.

Se você duvida da injustiça histórica dos críticos e do público para com esse disco, escute a música “Se chorar beba lágrimas” e você vai entender sobre o que eu estou falando. A história da música brasileira não é nada sem a menção a esse disco. Uma verdadeira obra-prima.

sábado, 24 de maio de 2008



PENSE NUMA “DOIDERA

A primeira vez que eu ouvi James Blood Ulmer foi no Sebo de Elite, em São Paulo, uma loja que eu trabalhei vendendo discos e livros. Era o ano de 1984 e eu estava farto daquela porcaria dos anos 80 que as gravadoras jogavam no mercado. Era o nascimento do chamado Brock, com umas merdas como Blitz e Biquíni Cavadão e outras estrangeiras como Duran Duram e toda aquela idiotice da New Wave.

Eu andava muito seletivo e confiava muito mais nos antigos do que nas novidades. Mas eis que aparece James Blood Ulmer em dose dupla: Are you glade to be in américa e Free Lancin’, duas pauladas no juízo. Era a fase em que o guitarrista americano, do Sul da Califórnia, misturava free jazz com funk, blues, surf music e música afro. Os dois discos traziam a mesma formação, com dois bateristas: Calvin Weston e Ronald Shanon; baixo: Amim Ali; duas guitarras: ele e Billy Patterson; sax alto: Oliver Lake; sax tenor:Dave Murrey e trumpet:Olu Dara.

Eu fiquei maluco com aquele som diferente de tudo o que eu tinha escutado até então. Um som cheio de groove afro, com andamentos malucos. Uns solos de guitarra completamente atonais e com divisões alucinadas, tocados com o dedão da mão direita de James Blood Ulmer, em uma birdland da Gibson, com som meio distorcido e um chorus levemente ativado em algumas passagens. Curiosamente o disco trazia duas músicas cantadas, dois funks de uma pegada de fazer inveja a Tower of Power ou Funkadelic, com James exibindo o seu vozeirão de música gospel. Já conhecia muita criatividade jazzística, como Sun Ra, Ornette Collemam e Art Ensemble of Chicago, mas aquilo era muito pra lá de aloprado. Os dois LPs importados não foram vendidos e acabe comprando aquelas duas pérolas.

Eles vieram comigo de São Paulo e quando eu montei a loja em Juazeiro, Et Cetera, eles figuravam como invendáveis, só para gravação. Pouca gente gravou e pouca gente entendeu aquele som. Hoje eu tenho alguns cds desse mago das harmolodics, uma composição que faz de uma harmonia várias vozes instrumentais em contra-ponto, sem necessariamente haver um acorde tocado. Invenção dele e de Ornette Collemam. James Blood Ulmer tem uma vasta carreira e uma vasta obra, sem nenhum disco lançado no Brasil. Em seus vários projetos: Odyssey, uma banda que mistura jazz, rock, blues e pop; Music Reveletions Ensemble, um trio maluco; Phalanx, banda de jazz, em que ele é um componente; esse genial músico universal surpreende sempre pela sua criatividade e originalidade. Qualquer disco dele é imperdível.

quinta-feira, 22 de maio de 2008


Um dia com certeza

Estende os braços magros
E pede os teus anos de volta
O teu peso agora é outro
Não está mais envolto em velhos lençóis
Eu compreendo, agora um pouco mais expurgado

O veneno enclausurado é pior
Por que mete mais medo
Antes de ti vieram àqueles desesperados
E vestiram de rede os seus olhos esbugalhados
Eu compreendo, as mãos inchadas a enxadadas

Os portões semicerrados,
Tão grandes, tão pesados,
Esperam por palavras semicaladas
Há um cemitério de amarguras aprimorado
Eu compreendo, o sol já vai alto

Agora as pedras são confidentes
Das águas que passam
Agora a fome já não é tanta
E as buganvílias parecem descansadas
Eu compreendo, o dorso é só um caminho

Tira a caserna das palavras
Pouco se sabe das terras mofadas
É bom que se diga que quase todos
Já abandonaram os ossos, agora são voláteis
Eu compreendo, já não posso mais te esquecer



Esse poema faz parte de um projeto, Alguns poemas consternados e outros nem tanto, a ser lançado ainda esse ano.






O cemitério recuado

E então
Vieram os tropeiros com
Seus espelhos incandescentes
E as burras ruminaram vésperas
Observando caladas os
Penitentes inalterados
Despencados da boca da morte
Com o desaperreio próprio
Dos que flutuam
Sobre os abismos
Eram horas vincadas
Pela memória que pesada ainda
Repousa sobre as pedras

E assim
O anoitecer tornou-se
Um andarilho intranqüilo
Já com a adaga infatigável
Dos pés desapropriou
As próprias tripas e
As depositou em gotas
Em minha bacia de lavar
E meus olhos viram o revirar
Da vida em dívida
Eram portas trancadas
Pela história que pesada ainda
Repousa sobre as perdas

E eis
Que eu vi Elias
Pregando no deserto
Para doze mil pedras
Expelidas pelos meus rins
E vi caírem de suas
Vestes revestidas de fé
Doze séculos de sofrimento
Prontos para serem devorados
Pelos trapezistas afortunados
Eram hortas plantadas
Pela escória que pesada ainda
Repousa sobre os ritos

A umidade do sangue
Que despenca das esporas
O líquido que escorre
Entre as pernas do medo
A saliva que escafedeu da
Língua sem deixar vestígios
O bafejo das hidras de sal
Que brilham no silêncio
Da covardia suprema
Enferrujaram nossas fugas
Eram farpas desfibradas
Pela morte que pesada ainda
Repousa sobre os tiros

E então vieram
Os soldados cultivando
A morte em conserva posta
Nas bílis ensandecidas
Retribui Senhor segundo
As suas obras e segundo a
Malícia dos seus esforços
Que triste é o contraste
Entre a soma e a subtração
Quão azedo é o vazio
Eram cruzes reificadas
Pela iniqüidade que pesada ainda
Repousa sobre o temor

Eram dias
Evacuados pelo coador
Da dor recoroada
Agora tão atroz quanto
Atroada em atos e desatos
Enquanto Fátima de Ramiro
Com seus sete espelhos cativava
As sete palavras perdidas eu
Sete vezes me rejuntava
Diante do meu temor
Eram sete vidas sopradas
Pela eternidade que pesada
Repousa sobre a morte

E então
Começaram a tombar
Como escolhas de arroz
Atentas sopradas pelo atentar
A reputação de mil covas
De milho embonecado
A dignidade embranquecida
De duas mil cuias de farinha
E a placenta retarda e vermelha
Da carne exposta ao sol
Eram hirtas horas perpassadas
Pela infâmia que pesada
Repousa sobre o azul

E então
Maria de Sitonho
A quem chamam de
Entramelada por ter nascido
Da carne de irmãos
Exibiu o seu fantasma
Enaltecido pelo clamor das
Almas esmaecidas pela injúria
E apontou para muitos
As locas severas do invisível
Eram entocas resguardadas
Pela vigília que pesada
Repousa sobre a luz

Foi quando
O relutar enlutou
Todos os untados em
Retardos atordoados
Despejando mel sobre
As trezentas feridas postas
Para mais de sete mil formigas
Predispostas pela culpa dos
Ocupados em escapar montados
Em lentos carrapatos
Eram tentativas entrevadas
Pela réstia que pesada
Repousa sobre o dia

E assim
Subjugados pelo espanto
As lamparinas e os candeeiros
Acenderam-se ao meio dia
E iluminaram a demência deletéria
Dos tapurus e das graúnas
Que choravam em grânulos
E fizeram aparecer os três potes
Encantados na pedra da batateira e
A sede perpendicular das bicas
Eram visagens reveladas
Pela volta que pesada
Repousa sobre a ida

Foi quando
Nepomuceno de Arlinda
Atravessou o tiroteio
Seguido por um grupo de
Borboletas sutis
A sua sombra já não se
Refletia no charco imóvel
E suas vísceras perambulavam por
Sobre os seus passos como
Escadas flutuantes
Eram trajetórias calcinadas
Pela memória que pesada
Repousa sobre o rumo

Sobras de nada
De mãos dadas e
Acumuladas sobre o
Espaldar da árvore frondosa
Risos e choros e fezes revezadas
Descem o rio silencioso da memória
E se ajoelham ante o cruzeiro primordial
Já é tarde isso eu bem sei
Os dentes abandonados pela morte
Amarelam frios e a sós
Eram arribações entrojetadas
Pela escória que pesada
Repousa sobre o muro

E eis que
No cemitério recuado
Perambulam os porcos
E as galinhas e as cabras
E os bodes e os felinos e caninos
E homens atormentados e mulheres
Já despovoadas de carinhos
E toda sorte de criação
Como sendo uma divina dádiva
Posta entre o sim e o não
São provações ensimesmadas
Pela graça que leve
Repousa sobre o eterno retorno



Esse poema faz parte de um projeto inédito chamado A Morte Ausente, que é uma interpretação livre da reação psicológica, sentimental e espiritual do Beato José Lourenço quando da destruição do Caldeirão. Proheto a ser lançada ainda esse ano.

terça-feira, 20 de maio de 2008











SOMZEIRA IMPERDÍVEL





A primeira vez que ouvi o Taste eu fique em estado de graça. Era um dia chuvoso e sem graça nenhuma. Havia feito uma troca de LPs com um amigo de correspondência de Minas Gerais, através dos correios. Ele procurava Richie Havens e eu queria qualquer novidade. Ele me escreveu sobre o Taste sem muito entusiasmo e eu desconfiei. Geralmente nas trocas, quando você não tinha muita certeza de se desfazer de uma raridade, você escondia o jogo.





Era o ano de 1976 vésperas do meu aniversário de 14 anos. Confirmamos a troca e eu mandei para ele o meu LP e ele fez o mesmo. Eu jamais esperava o que ia encontrar. Até então já conhecia Blue Cherr, James Gang, Sir Lord Baltimore, West, Bruce & Laing, Cream, Trapeze e uma série de outros power trios. O Taste foi uma verdadeira descoberta. Uma paulada, com feeling, senso de humor, blues, rock e muita genialidade nos dedos e na alma de Rory Gallagher, um guitarrista irlandês, morto precocemente em 1995, vítima de complicações pós operatória de um transplante de fígado.





Rory Gallagher não era de efeitos, usava apenas o overdrive do amplificador. Dono de uma pegada inconfundível. Solos inspirados e composições originais. Um verdadeiro gênio da guitarra, com um senso de improviso que até então eu não tinha experimentado. Esse disco fez com que eu sonhasse com o mundo. Quando eu ouvia suas músicas, e fazia isso várias vezes seguidas por intermináveis meses seguidos, eu sentia vontade de ir embora, de viver a vida fora do Crato.





Agora eu consegui uma coletânea importada, remasterizada, com todas essas músicas e mais outras do segundo e último disco da banda, bem como algumas ao vivo. Esse som é um verdadeiro transporte para outro mundo. Não vacile. Se não conhece ainda, procure conhecer. No período de 1967 a 1975 muitas bandas fizeram sucesso. Umas tocando mais alto do que as outras, como era o caso do Blue Cheer e outras tocando tanto quanto o Jimmy Hendrix Experience, como era o caso do Taste.





1. BLISTER ON THE MOON (Gallagher)
2. LEAVING BLUES(Huddie Ledbetter aka Leadbelly)
3. SUGAR MAMA (Trad. arr. Gallagher)
4. HAIL (Gallagher)
5. BORN ON THE WRONG SIDE OF TIME (Gallagher) 6. DUAL CARRIAGEWAY PAIN (Gallagher)
7. SAME OLD STORY (Gallagher)
8. CATFISH (Trad. arr. Gallagher)
9. I'M MOVING ON (Hank Snow)





Produced by Tony Colton RORY GALLAGHER (Lead Guitar/Harp/Vocals) JOHN WILSON (Drums) RICHARD McCRACKEN (Bass Guitar

Marcos Leonel

O BOTE


A floresta é nossa. Isso não é novidade. Isso não se discute. Mesmo que Alexei Barrionuevo, como sugere o seu sobrenome, cague outra vez pela caneta. Mesmo que ele limpe sua merda usando o próprio The New York Times. Também não é novidade nenhuma esse tipo de factóide americano em relação à soberania nacional sobre a Amazônia, como também não é novidade nenhuma o governo brasileiro se obrar inteiro diante de uma situação dessas.


Com Fernando Henrique Cardoso era uma desobstrução intestinal involuntária causada pelo leve pânico de ser um chefe tupiniquim, ou seja, uma defenestração culta, mas medrosa. Com Lula, é aquele espalhafato, suja o bojo, acaba o papel higiênico e ainda fica aquela sensação de putaria no ar, ou seja, uma diarréia popular, mas medrosa. Mas, afinal de contas, a casa de Mãe Joana tem dono. E, para nós, é melhor acreditar que isso é verdade, e não uma aventura enlatada de Indiana Jones em busca da arca perdida. Então vamos patrulhar o que é nosso, pois os ladrões oficiais do planeta estão se movimentando.


Não acredite no esquelético intelecto do senador Jefferson Péres, com aquela pose fajuta de abelha rainha da honestidade, ao afirmar com a sonolência que lhe é peculiar, de que isso é bobagem, que não devemos nos preocupar com esse tipo de discussão, pois isso é fato isolado, não representa opiniões de grupos organizados. Jefferson Péres já deve ter feito operação de catarata. Mas não adiantou nada, ele continua com a visão de uma toupeira. O tesouro em questão é verdadeiro, é palpável e é desguarnecido, em todos os pontos.


Não existe legitimidade nenhuma na reivindicação da Amazônia ser patrimônio da humanidade. Nunca americano nenhum deu um centavo para financiar a preservação da floresta e nem eles estão interessados nisso. Também não existe legitimidade nenhuma em os americanos serem os porta-vozes do cuidado paterno da Amazônia. Eles são os maiores poluidores do planeta; os maiores cretinos da agropecuária, com suas gerações de adolescentes alimentados com herbicidas, defensores agrícolas, hormônios e outros venenos. Eles permitem que as famílias pobres americanas e de imigrantes sejam esfaceladas com a morte cruel dos seus jovens nas areias impunes do deserto moral americano. Eles propiciam as anomalias freqüentes de matadores em série que dizimam dezenas e se matam em seguida, matando a própria lógica dos abastados. Ainda na contra-mão da preservação da vida, eles têm o maior arsenal atômico do mundo, capaz de dizimar a vida no planeta em questão de minutos. A única coisa que eles podem proteger são os lucros dos grandes conglomerados. Isso não é novidade.


Também não é novidade nenhuma que ainda não existe um plano de desenvolvimento sustentável da Amazônia. E a questão não é apenas a legalização da terra, a demarcação das terras indígenas, o zoneamento de regiões ecológicas, o combate à derrubada da mata e os conseqüentes passos de exploração do solo, exaustão desse mesmo solo, a transformação em pastagem e depois a mega exploração da produção mecanizada em escala industrial.
O problema é a falta de seriedade. A esculhambação reina.


É lá que existem, entre outras atrocidades, pesquisas com cobaias vivas, patrocinada pelo Governo do Acre e o Ministério da Saúde, na região do Vale do Juruá, em experiências de combate ao anofelino – mosquito transmissor da malária. É lá que a grilagem manda matar e ressuscitar. É lá que os famigerados guerrilheiros das Farcs fundam a qualquer momento bordéis utópicos. É lá que existem inúmeras organizações não governamentais, dirigidas por testas-de-ferro de políticos brasileiros do primeiro escalão, que atuam diretamente na biopirataria. É lá que o boto e o jacaré viram, oficialmente, iscas para os pescadores internacionais se divertirem à vontade.


É por isso que um idiota desses como Alexei Barrionuevo, pode cagar à vontade em frente ao Planalto Central. Ou ainda pior, é por isso que os retardados metaleiros do Megadeth, que evacuam os cérebros a cada show, quando balançam as cabeleiras imbecilizadas, podem chegar aqui e exigirem cosméticos orgânicos da Amazônia para "cabelos normais e secos", um secador, sete toalhas pretas e treze pares de meias brancas. Mas se é para jogar excremento no ventilador, podem vir, que a nossa bucha de canhão é o Congresso Nacional.

Marcos Leonel

segunda-feira, 19 de maio de 2008


POESIA É PROSA

A revelação de um poeta acima dos adjetivos deveria ser sempre motivo para celebração. Venha de onde vier, seja qual for o seu nome de batismo. O deste livro é assim: palavra a palavra, verso a verso, estrofe a estrofe o espaço que ele constrói tem algo dos paradoxos de que se nutre a arte: desnuda e significa, expõe e encobre. Preserva, enfim, o mistério do poeta.

Para além da história e da geografia, pessoas e aldeias desfilam diante do leitor. Para quem os conhece, o reconhecimento. Para quem nunca ouviu falar deles valem talvez ainda mais. O mito basta para esmerilar a fala de um poeta como este. Num processo de acúmulo e associação, as metáforas, as imagens vão, uma a uma, se esmerando em reinventar coisas e gentes. Tema é pretexto. A forma forma a forma.

Alguém virá que o poeta dá carne e fogo a espectros da fé como os que se contam no Nordeste do Brasil. Faz isso com versos que dialogam com fotografias. Tudo, aliás, aqui é conversa. Poesia é prosa de todo dia em sítios como o Cariri do Ceará, pois onde buscar a magia senão no abismo? O poeta diz isso em cada verso.

Marcos Leonel faz a poesia coisa tão sua que num livro como este de vinte anos todo o encantamento se preserva a cada leitura. Vale pensar na epopéia ainda mais do que no lirismo a que se escravizou quase toda a literatura do Brasil. Este livro é isto que lembra – o ritmo do romance, a ladainha que há em toda a poesia narrativa e fala dos cantos. Dos cantos, entenda-se, não aqueles de música, mas os de lugar. A cada um a sua prece, sua a pedra.

Poesia de nervos e de ossos esta que faz Marcos Leonel. Com o seu tanto de meditação, de análise, de observação aqui e acolá lembrando filosofia, sociologia. Mas, ao fim, o que triunfa é a fotossíntese da linguagem. Consciência do discurso que é como se deveria definir um livro assim, realidade e linguagem: abismo que atrai abismo, cem por cento imã de imanência.

Mário Hélio, 41, jornalista e crítico literário

segunda-feira, 12 de maio de 2008


BANDAS QUE TOCARAM E QUE TOCAM
AMIGOS INTOCÁVEIS

Essa é uma das inúmeras variações da Nacacunda. Sendo que essa é muito próxima da formação original, que contava com Rafael nos vocais; Rubinho no baixo; eu na guitarra; e João Eimar na bateria. Essa formação conta com uma modificação feita às pressas, especificamente para esse dia: que foi a colocação de Rubinho no baixo, posto que já estava sendo ocupado por Igor Arraes. Essa formação também tem a presença de Roger na bateria. Com a curiosidade especial voltada para a própria bateria, feita artesanalmente por Régis, com o material que se podia pagar no momento.

Esse foi um dia instigante, pitoresco, inusitado e completamente hilariante. A Região estava recebendo a visita de Regina Casé, para uma produção cearense de um programa que ela tinha na Globo, enfocando a cultura, os costumes e o povo das mais diversas regiões do país. A produção estava à procura de uma banda que ilustrasse a produção musical pop. Em visita ao sebo Alan Poe, (hoje Solaris) alguém entrou em contato com Manuel Barros ele indicou a nossa banda.

Ficou agendado então algumas tomadas com a banda para, talvez, serem aproveitadas no programa. Primeiro alguém sugeriu a locação em cima do teto do Panorama Hotel. Nos deslocamos para lá com toda a tralha e nada rendeu, pois o teto tinha uma cobertura de telhas de amianto, que cobriam um depósito, depois do último andar. Manuel então deu a idéia de que as tomadas poderiam ser feitas em uma chácara que ele morava. A locação e a boca de cena é essa da foto. A aparelhagem é cômica: uma única caixa, com todos os instrumentos ligados em uma mesa de seis canais, das piores do mercado. A produção achou massa, pois era apelativo, aquela coisa de lutar contra as dificuldades, de sermos do sertão e tal. A câmera que se vê na foto era de última geração, um verdadeiro contraste com tudo aquilo.

Existia uma platéia numerosa por trás da câmera. Todos na esperança de ver e paparicar Regina Casé, é claro. Tocamos exaustivamente a mesma música, A Crua, uma música esquisita, de minha autoria, na linha da fusão com rock e música regional das bandas pernambucanas do momento e outras como Raimundos. A letra da música provocou a curiosidade da produção: “oh meu Jesus, oh meu Jesus / me dê uma luz, me dê uma luz / e um prato de cuscuz / é a fome, é a fome / essa cruz a vida inteira...” Mas essa música chegou a causar vergonha entre alguns presentes nesse dia inesquecível. Algumas pessoas afirmaram que ela era ridícula e que aqui no Cariri ninguém passava fome. A banda não estava nem aí, fomos nos divertir e tirar onda com a cara do povo, se rolasse alguma ponta no programa seria lucro

Depois de muita onda Regina Casé apareceu. Muito besta, muito arrogante. Completamente diferente daquela imagem que ela passa, de ser muito popular e muito dada. Muito pelo contrário, nem com os donos da casa ela falou, quanto mais com o resto. Por um lado foi bom, pois no meio da galera tinha um povo dispensado demais, que estava ali só para aparecer. Depois André Mileto, o produtor principal ficou se desculpando. Ele não gostou muito quando a gente afirmou que não tinha interesse mesmo de conhecê-la, pois ela era feinha demais, mas se fosse a Malu Mader a coisa não ia ficar assim não.

Não rolou nada. Ninguém pegou ninguém. Quebrei um pedal compressor. Roger perdeu a carteira, depois encontrada dentro da caixa. Ainda hoje Igor tem bronca nossa, pois a gente não conseguiu entrar em contato com ele, pois ele morava, e ainda mora, em terras distantes demais e naquele tempo não existia celular, nem moto-táxi, duas invenções fundamentais para quem passa por esse processo de distanciamento da civilização.


A VIAGEM

A velha estrada
Do angico
Leva viajantes
Que procuram o rumo
Dos ventos inclusivos,
Que não querem soprar
As pás do moinho.

Não se sabe ao certo
Se as lavadeiras
Conspiram
A beira dos açudes
Onde se lava a poeira
Da velha estrada
Do angico.

Barricadas já
Forma destruídas,
Mas ainda se erguem
Sombras volumosas
Que abrigam os viajantes
Da velha estrada
Do angico.

Os trapézios
Do gran circo
Procriam seus riscos
Indiferentes a
Quem chega ou parte.
São lances de dados,
Estrelas que brilham.

A velha estrada
Do angico
Tem profundo descaso
Com a perfeição:
Tem curvas irremediáveis,
Tem retas que
Provocam ilusões.

Tem uns que preferem
Descansar nas sombras
E se confundem
Com bifurcações.
O sol ilumina o sal
Da velha estrada
Do angico.

Existe uma ponte
Sobre um precipício,
Suas falhas
E o seu teor infalível
Revelam o horizonte
Da velha estrada
Do angico

sábado, 10 de maio de 2008


Gestar, foi o que ela disse.
Depois repetiu gestare que é
Pra parecer uma citação de Borges
Ou um palacete de Domingos Barroso
Em dia de festa entre as velas acesas

Estavam lá as esporas expelidas
As páginas jamais lidas
As autoras anônimas das ladainhas urbanas e
Os efêmeros passar de carros
Já não éramos mais os mesmos
Um silêncio enrugado cobria todo o vale

Agora a certeza de que as ruínas
Da Crato Cósmica não são comestíveis
Já não era tanta e divertida

Lá em baixo os amigos se viam
As camas se ocupavam
E os reversos se revestiam
De réstias de rostos de restos

Gestar, foi o que ela disse.
Gravura de Maria Lucia Pacheco

Cd para curar remela de ouvido

“Luiz Carlos Salatiel lança o cd “Contemporâneo”, avisando que a vida inteligente na música cearense sobreviveu”

Em meio à letargia mambembe da música cearense, em pleno sol de outubro, Luiz Carlos Salatiel lança no Cariri o seu primeiro registro sonoro: “Contemporâneo”, caloroso como urge o tempo. Assim Craterdam anuncia a sua inquietação, cria referenciais e alimenta velhos questionamentos sobre a música e a arte em tempos atuais.

Os altruístas do imediato afirmam que a arte é para todos e que assim ela deve ser estimada em todas as suas dimensões, desde as quinquilharias da canastrice imbecilizante até os anseios criativos de libertação. Não sei se é corroborando o socialismo de camelô, que prega a igualdade tendo como padrão o medíocre, mas o fato é que no passo dessa assertiva intelectualóide a música cearense vem chafurdando na farofada amarela do passadismo, em que genial é ser cover de mala e cuia debaixo de uma tenda com musca escrivida in ingrês, ou sair tocando sanfona em qualquer bodega de beira de estrada, fazendo apologia de cabaré, montado num jegue aprimorado com ar-condicionado. Esse não é o caso de “Contemporâneo”, e é justamente por isso que Salatiel incomodará, por ser esse cd indicado para curar remela de ouvido.
Contemporâneo” tem 12 músicas enxutas e bem arranjadas, com duas exceções, e aqui cabe uma digressão sobre Manel d’Jardim, que prefiro louco do que cafuçú banhado pelo mar. O cd começa com Limite e termina com Craterdam, já sem portas e janelas, livre e criativo. O repertório escolhido por Salatiel privilegia parcerias inspiradas com Geraldo Urano, o poeta do estranhamento, e Pachelly Jamacaru, compositor universal e sofisticado. Além deles comparecem Cleivan Paiva, José Nilton, Abidoral Jamacaru e Tiago Araripe, estrelas autênticas e raras. Esse apanhado praticamente conta a história de uma época, em verdadeiras visões do paraíso, em que flutuam bacalhaus, baleias, caravelas, jangadas, homens-pássaros, Rutes e revoluções, todos amalgamados pelo bom gosto. As exceções ficam por conta da letra de "Canção Cristalina", que parece ter sido extraída do diário secreto de Gonçalves Dias, e do arranjo capenga de Melquíades, conservado nas geleiras dos barzinhos.

A linguagem do cd é realmente contemporânea e o elenco de músicos é de primeira linha, com as presenças mais do que providenciais de Miguel, Hugo Linard, Bonifácio e Naílton. A magia dos arranjos faz com que o ouvinte viaje do regional para o universal através de sotaques diversos, com direito a citações pianísticas de Ibertson, cada vez mais moderno, acordes radicais de Manel, e uma interpretação inesquecível de Hugo e Leninha Linard, além, é claro, da polifonia inebriante de Craterdam, com seus pedais arquetipais e seus contra-pontos desconcertantes.
Em “Contemporâneo”, respira-se ar puro, sem a fedentina rotineira das letras do oxente music. A força das letras de “Contemporâneo” transcendem através da interpretação versátil de Salatiel, dono de leituras essencialmente autorais das composições alheias e suas. Se no instrumental falta um certo leque maior de timbres, isso não falta na voz, que passeia do irônico em “Seu olhar no meu” ao suspense sentimental em “Cine Cassino”, pequena obra prima de Tiago Araripe, ex-Papa Poluição, lendária banda brasileira dos anos 70, além de explorar as nuanças misteriosas de uma heroína, na impagável “Dona Rute, meu amor”, com Geraldo Urano nos ajudando a viver melhor com a sua nobre visão peculiar da realidade.

Esse é um lançamento imperioso pelo seu porte e pela sua intenção. O valor do artista se dá pelo valor que ele atribui à arte. Se o juízo final da economia das trocas simbólicas é agora, fique tranqüilo, pois “Contemporâneo” chegou, vindo de Crato Cósmica, com as graças de Kuan Yn e o poder dos querubins.


Essa resenha foi publicada no Jornal do Cariri no período do lançamento do cd de Salatiel.

quarta-feira, 7 de maio de 2008


A NEGAÇÃO DOS RENEGADOS

Os travestis que investiram no futuro de Ronaldo Fenômeno deram de ré. Negaram o sexo burlesco. Negaram a transgressão torpe das drogas. Traíram a confiança de parte significativa da imprensa, que, abandonada, reclama sorrateiramente seus direitos ao pé do altar. Parte do folhetim foi rasgada em público, numa delegacia obscura, sem cerimônia ou aparatos teológicos da consumação do pecado, mas com doses ambíguas de arrependimento. A ambigüidade é propriedade deles, mas não o livre arbítrio de retornar dos infernos, feito um Dante taciturno. Eles não podiam fazer isso, eles não tinham o direito de dizimar o escárnio público de uma celebridade tão doce, tão inocente, tão sem classe e tradição como é Ronaldo, o Fenômeno.

E agora? Como é que fica o direito sagrado dos moralistas execrarem os decadentes da carne? O que fazer com as peças de acusação dos advogados idôneos que freqüentam ambientes chiques e são limpos em seus atos corruptos, mas que morrem de inveja de Ronaldo, que não estudou e nunca comprou uma monografia sequer para se formar, mas que ganha absurdamente mais do que qualquer profissional liberal? Agora os professores não poderão mais usar o caso em sala de aula, apontando com seus dedos rígidos de socialismos mumificados as anomalias e monstruosidades do capitalismo selvagem. Momentaneamente eles tiveram as camisinhas furadas em pleno vôo de procriação dos mitos deterministas. Os políticos mais desatentos acabaram anulando o conselho aos asseclas de que o crime compensa. De fato, esse arrependimento não era esperado, é para isso que servem os laranjas. Com o recuo dos travestis, que é um fenômeno para trás, foram desfeitos os planos futuros da justiça brasileira em fazer um bazar com as peças íntimas dos quatro - sem trocadilhos - usadas na ocasião do delito, tal qual fizeram com as cuecas do narcotraficante boliviano. O ato impensado dos travestis causou comoção até entre os cretinos que operam tanto para a vergonha e derrota dos outros acontecerem de forma escandalosa. Os médicos de quinta categoria, formados nas espeluncas educacionais do Brasil privatizado, coitados, não poderão mais exibir o perfil ninfomaníaco de Ronaldo, perfeitamente diagnosticado à distância, on line, através de lap tops poderosos e irracionais. É o caos da moral pública. É o fedor inconfundível da impunidade. Estamos sós, paralisados sob as patas dos cavalos dos cavaleiros do apocalipse. Agora, eles, os travestis, que sempre foram transgressores da natureza e da moral, devem ir para a cadeia, por não assumirem o papel de carrascos da escória.

Depois dessa atitude inescrupulosa dos travestis de reconhecerem a mentira e o dolo, os comerciais dos programas do horário nobre da vedete tv brasileira ganharam outro contorno, ficaram mais longos, chatos, sem a inteligência sagaz de vender a quem não quer comprar. Assim, com a verdade vindo à tona, a ternura asmática dos delatores será desbaratada. Assim a poesia lírica, confessional, dos poetas fajutos que decoram os nichos alternativos com seus semblantes enfumaçados perderá o clamor canastrão desse insofismável apelo existencial. Assim a fúria dos bêbados que batem em suas mulheres será multiplicada. Assim a canalhice dos chefes das grandes empresas será contaminada pela injúria dos drogados engravatados que combatem o crime organizado. Assim as prostitutas vencem e o cabaré nacional corre o sério risco de ser bem administrado.

Marcos Leonel

terça-feira, 6 de maio de 2008


UMA QUESTÃO DE SANGUE

Essa é a primeiríssima formação do Fator RH, segunda banda de rock autoral do Cariri. Após o término da pioneira Pombos Urbanos, - que tinha em sua formação Carlos Rafael, bateria e voz; Nicodemos, guitarra e voz; Segestes Tocantins, baixo e voz; e Marcos Lubisome, guitarra - eu, Segestes e Rafael formamos um grupo de ensaio que originou a banda Fator RH. Primeiro Calazans se juntou ao grupo, para tocar baixo. Depois Lupeu foi integrado como vocalista e anarquista. Logo em seguida Calazans trouxe João Eimar para tocar bateria no lugar de Rafael, que passou à linha de frente nos vocais. Estava feita a conspiração, só faltava a guerrilha.

Corriam os anos 80, a new wave comandava o cenário musical do rock lá fora e aqui começava a todo vapor o chamado Brock. Estávamos lá, inconformados com a falta de oportunidades e com a pasmaceira do quadro cultural caririense. O Fator RH estava na área, não para fazer o papel de testemunha ocular, mas participar de tudo aquilo, mesmo entrando pela porta de trás e sem nenhum convite. Nossa trincheira era o discurso poético, tendo à frente as sacações geniais de Rafael, o cinismo beat de Lupeu e a lisergia do meu universo musical. Ouvíamos de tudo: desde a música independente brasileira até às experimentações da Orchestra Universal de Sun Ra. Nossas influências eram a música crua do Hasker Dü, do Ramones, Sex Pistols e Raul Seixas, via Segestes Tocantins; a pauleira sem misericórdia do Sepultura e do Slayer, via Lupeu; os blues e a música alternativa brasileira, via Rafael; o experimentalismo de Robert Frip e Frank Zappa, da minha parte; o rock dos anos 70, através de João Eimar; e a poesia bem sacada de Zé Ramalho, através de Calazans. Nosso som era cru, era na veia, era muito mais rock’n’roll do que aquilo que fazia sucesso, como Paralamas, Legião e outras coisas mais intragáveis como Kid Abelha e Gang Noventa. Nosso som estava mais para Talking Heads e Joy Division do que para o heavy metal poser do período; estava muito mais para Isca de Polícia e Tiago Araripe do que para Titans ou Legião.

Era um período difícil demais para quem fazia rock, sendo autoral ainda nem se fala. Não existiam espaços. Nós é que inventávamos, como em encontros de estudantes e campanhas eleitorais do PT. Também não existia público, nós é que inventávamos que tínhamos público. Comprar encordoamento era uma verdadeira aventura, e cara. Quando João Eimar anunciou que tinha uma bateria, foi uma verdadeira festa. Os ensaios valiam mais do que as próprias apresentações. Eram verdadeiras epopéias. Ensaiávamos na casa de Segestes, um sítio, fora do Juazeiro (hoje é o parque ecológico das Timbaúbas). Muitas comédias temos para contar. São lances pitorescos, dignos de um best seller. Essa formação do Fator RH tinha cerca de sete músicas no repertório, o que já era demais. Entre elas figuravam: Nomes, Buraco Negro, Fator RH, Margarete, Marinalva e outras pérolas do cancioneiro rebelde caririense. Pena que eu não lembro onde foi essa apresentação. Sei que era Rafael de bateria e voz; Lupeu nos vocais; eu e Segestes de guitarra; e Calazans no baixo.


Marcos Leonel

domingo, 4 de maio de 2008


AS CANETADAS DA EDUCAÇÃO


Durante a plenária da Conferência Nacional de Educação Básica, acontecida entre os dias 14 e 18 de abril, em Brasília, cerca de 2 mil professores e delegados com direito a voto, decidiram que os alunos com necessidades especiais, transtornos e altas habilidades, possam ser matriculados normalmente em qualquer escola brasileira. Esse é mais um cosmético da tecnocracia brasileira, que faz sua política de inclusão educacional apenas no papel, à base da canetada.

A decisão tomada, praticamente por unanimidade, prevê a criação de um documento que auxiliará o Ministério da Educação a criar um pacote de ações, estratégias sociais, programas e políticas educacionais, que visam por fim à continuidade das escolas e classes especiais, que, segundo os especialistas, criam barreiras sociais e fomentam o preconceito contra os alunos considerados especiais. Tudo é muito lindo, maravilhoso e deslumbrantemente moderno. E o caminho certo é esse mesmo, não há dúvidas. Mas acontece que até chegarmos a esse caminho, ainda temos muita estrada pela frente. Ainda temos que recolocar a educação brasileira nos trilhos, após a tirania criminosa da ditadura militar, que tantas seqüelas deixaram.

Além do esvaziamento da grade curricular, provocada ao longo desse passado negro, da falência estrutural das universidades públicas, do achatamento desumano dos salários dos que atuam na área, da piada de humor negro que se tornou o ensino médio e o acesso às escolas de graduação, bem como sem falar no mercado público de carnes e derivados que se tornou a rede particular de ensino, ainda lutamos contra cortes continuados no orçamento nacional destinado à educação brasileira, fruto da irresponsabilidade e incompetência de nossos representantes públicos. Se isso tudo não bastasse, ainda temos o desafio de passar a limpo o sistema de gerenciamento das escolas públicas, em que pesam as amarras burocráticas do tempo da tirania militar aliadas a modelos políticos de gestões, com representações indicadas por interesses políticos de facções que se revezam nos poderes, para que tudo conspire a favor da roubalheira e do desmando.

Mas é lindo, é supremo, é de criar baba vermos os negros, os estudantes de escolas públicas, os índios e os deficientes ingressarem na universidade através de um sistema de cotas, não importa se através de um modelo de castas americano, da década de 50 do século vinte, como também não importa se o tapete que cobre essa sujeira é a falta de investimentos públicos que causaram a falência do sistema nacional de ensino. Se faltam vagas na rede pública, nada mais justo e eficiente aliar à política de cotas, a criação de cursos particulares, bonitinhos e elegantes, mas tão ordinários quanto os cursos públicos, basta uma averiguada nos últimos resultados da OAB e das faculdades de medicina avaliadas pelo MEC, recentemente, inclusive faculdades caririenses aparecem na lista.

Na nova medida de inclusão educacional, as escolas de ensino médio merecem o nosso crédito. Nós temos que acreditar que seja possível um aluno sair de uma universidade, que não profissionaliza, que pretensamente apenas fomenta a pesquisa, com a capacidade de educar um aluno especial em um mesmo ambiente destinado aos alunos normais. É só uma questão de tempo. Devemos esperar que o governo tome a iniciativa e comece a fazer as mudanças necessárias para essa educação inclusiva a partir das estruturas físicas de nossas escolas, bem como a criação e distribuição de material didático especial. Claro que isso vai ser rápido, sem transtornos, afinal nós temos como meta principal dos investimentos públicos, a educação. Também é ético da nossa parte esperarmos que os cursos universitários que possibilitam a docência tenham cadeiras que proporcionem a capacitação pedagoga para a habilidade plena com o trato dessa nova urgência. Também é saudável imaginarmos que o corpo docente já em atividade tenha essa capacitação adquirida à distância, através de módulos digitais ou laptops de última geração. Acho realmente que falta boa vontade da nossa parte em aceitarmos que esse é o nosso futuro, brilhante, moderno, capacitado. Não custa nada acreditar que é possível educar através da qualidade insondável das letras musicais da banda Aviões do Forró, afinal não existe má vontade que uma canetada não resolva.

Marcos Leonel