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quarta-feira, 28 de julho de 2010

Cariricaturas
Do blog para o papel

Recebi do meu amigo Wilton Dedê, um incansável residente da cultura caririense, um exemplar devidamente autografado do livro “Cariricaturas em Verso e Prosa”, edição que registra o fazer literário de um grupo de escritores que postam suas criações no blog www.caricaturas.blogspot. Com. Ao ler o livro percebi que nem tudo que está ali é diletantismo e que nem tudo está preso a um passado imóvel, feito naftalinas mofadas.

Não vou entrar no mérito literário, uma vez entendido que a essência desse feito seja exatamente o ato sacramental e fundador de ações coletivas que encenam suas vivências em um espaço virtual. A partir dessa decupação, dois aspectos me chamaram a atenção nessa obra. Creio que esses aspectos possam traduzir, em parte, aquilo que se pretende em uma criação dessa espécie, bem como aquilo que não se espera em forma de repercussão interventiva.

O primeiro aspecto é o diálogo imaterial e material entre as mídias, a escrituração que sai do campo virtual da rede mundial de computadores, carregando todas as transversais que isso representa, para cair no universo imemorial da imprensa, conservando e prolongando o poder da escrita no papel, e tudo que essa escrita representa dentro da história da humanidade. O outro aspecto é o dialogismo entre o universal e o provinciano, em seu eterno jogo de junção e disjunção na construção do cotidiano das pequenas narrativas individuais.

Dentro da leitura que faço dessa obra que intervém diretamente em nosso universo imaginário como um eterno retorno, os aspectos que me chamaram a atenção revelam o tanto que este livro está inserido em nossa realidade, em nossa contemporaneidade, exatamente pelo que ele tem da fragmentação e da descontinuidade. Se por um lado o “Cariricaturas em Prosa e Verso” busca visibilidade através de um marco, de um registro mais palpável, de um ancoradouro de idéias, de uma amostragem da nossa cultura, por outro lado ele indicia categoricamente também o que é propriedade criativa daquele que navega anonimamente na rede, que está oculto, mas que também é parte dessa bricolagem. Eis o intrigante flâneur da nossa era.

Longe de querer ser uma síntese do que se produz artisticamente aqui no Cariri, o “Cariricaturas em Prosa e Verso” se projeta como uma janela de um apartamento do infinito edifício das manifestações culturais. Olhando através dela é possível ter uma visão tremeluzente e impressionada do que aqui se faz e do que aqui se paga. Ao mesmo tempo em que você encontrará o cangaceiro de Wilton Dedê sentado em sua montaria, correndo bribocas secas, tendo lobisomens e volantes em seu encalço, você também encontrará a viva, a mais que presente opacidade das gravuras de Bruno Pedrosa, que oferecem a você apenas o espaço e nenhum chão.

O grande barato desse livro é que ele proclama, de forma belamente irônica, a perversão total dos comentários anônimos, a forma anarquista mais temida por aqueles que se relacionam coletivamente na rede mundial de computadores. Agora você pode pegar o livro e fazer o comentário que você quiser. Sem que ninguém saiba quem você é. E mais ainda, sem que os autores nem saibam o que você está comentando e nem para quem você está comentando.

quinta-feira, 22 de julho de 2010




Ler também é arte

Em 1990 Umberto Eco foi convidado pela Cambrige University Press a participar do Seminário Tanner. Ele escolheu como tema: interpretação e superinterpretação. E esse é o título do livro, relançado pela Martins Fontes, que contém o registro de todas as conferências feitas naquele evento. Para antagonizar o discurso do convidado também participaram Richard Rorty, Jonathan Culler, Crhistine Brook Rose e Stepthan Collini. Esse é um livro instigante, embora as aparências possam criar uma imagem de futilidade teórica à primeira vista.

O tema central do livro é o que verdadeiramente é válido na interpretação crítica de um texto. Diante das inúmeras teorias existentes a respeito do tema, Umberto Eco defende a idéia de que existem limitações para o ato da interpretação, se posicionando contrariamente a muitos seguidores e diluidores do desconstrucionismo e do neopragmatismo, correntes filosóficas que viraram moda, mas que poucos sabem verdadeiramente do que se trata e entende adequadamente suas funções. Da mesma forma que virou moda encontrar navios negreiros navegando em postes da Avenida Paulista, também virou moda malhar Derrida como se ele fosse o Judas da vez. Será que ele realmente balança moedas sorrateiras em seu bolso fantasmagórico?

Umberto defende a tese de que o próprio texto contém todas as linhas de interpretações possíveis através de marcadores textuais próprios, internos, sendo ele mesmo o indicador das posturas impossíveis. A partir da idéia da linguagem escrita ser um sistema prévio de escolhas e articulações, formando por si camadas estruturais, Eco entende que o texto pode abrigar inúmeros significados, tornando a obra opaca, suscetível a várias possibilidades de leitura. Essa mesma tese ele defendeu em outro livro, “A obra aberta”, em que ele alude também ao poder de leitura do indivíduo, a partir do seu conhecimento prévio sobre um determinado universo de significações.

Os outros autores que participaram das conferências fizeram várias considerações, algumas concordando com a posição de Umberto Eco e outras discordando completamente. Entre essas conferências uma chama a atenção pelo radicalismo inerente, a do neopragmatista Rorty, que defende a idéia de que qualquer um faz o que quer com qualquer texto, uma vez que não existe necessariamente uma realidade a se desvendar, ou uma essência significativa em texto nenhum. Para Rorty o que existe são usos que o leitor faz do texto e que cada um tem a capacidade de fazer interpretações mais ou menos pertinentes daquilo que está escrito, uma vez que o texto é autônomo, independente, livre, sem ligações com o autor ou o tempo histórico em que está inserido.

Independente de qualquer corrente que você siga sobre o tema, ou se não tem nenhuma, tanto faz, vale ressaltar aqui, o quanto que Umberto Eco é ágil em seu arcabouço de conhecimentos. Sem parecer pedante ou radical; sem dar carteiradas científicas canhestras; sem buscar na ciência um poder duvidoso de determinar o que é verdadeiro ou não; o leitor tem aqui um autor em plena forma intelectual, transbordando erudição e perspicácia, exalando inteligência plena em cada formulação, em cada sentença proferida. Esse mesmo é um livro capaz de provar que aquilo que se escreve acumula camadas estruturais que fornecem os elementos interpretativos para o leitor e que essas interpretações são orbitais, de acordo com a capacidade de aprofundamento de cada um.

Também vale ressaltar que na estrutura profunda dessas conferências reside a certeza de que ainda falta muito para se debater sobre a desconstrução e que os imediatistas conservadores podem ter que engolir suas palavras transformadas em críticas vaporosas sobre as teses de Derrida e Lyotard, só que agora providos de próteses, uma vez que seus dentes vampirescos foram quebrados pelas pulsões da pós-modernidade. Seria, pois, mais do que oportuno, após a leitura hiper recomendável de “Interpretação e Superinterpretação”, o leitor mergulhar nos ensaios de Jacques Derrida contidos no livro “A Escritura e Diferença”, caro, porém fundamental.
Dos grifos

Assinalar como inconfundível
A trapaça da presença camuflada
Das gruas ante o pulo dos desesperados

Assinalar como irrefutável
A carcaça da ausência alimentícia
Do microondas bipolar posto na sucata

Assinalar como imensurável
A velha rua que sobrevive ao eterno
Apenas com verdades banais

Assinalar como praticável
Tudo aquilo que se destitui facilmente
Das qualidades essenciais

Assinalar como insuportável
A falta de subversão na resistência
E no formol da organização cultural

Não esquecer jamais
Que a verdade é a maior entre
As maiores sabotagens da ciência

terça-feira, 22 de junho de 2010

O twitter de Eloá

Também pudera Eloá
Você deixou a porta aberta
Para quem quisesse entrar
A metodologia expressa
Da sociedade organizada
Vai entender a pressa
Com que se entra e sai
Da sua página virtual exposta
Ela mesma não se arrepende
Por não te perdoar
Mas perdulária anota tudo em
Sua inútil pesquisa universitária

Portanto pense bem Eloá
O sistema público de cultura
Não serve nem cafezinho
E nem tem poltrona acolchoada
A área vip fica do outro lado
É só para quem tem crachá
De curadoria da arte popular
Pública e de privada social
Água encanada é tecnologia básica
Não se compara à página
De relacionamento
Com 140 caracteres

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Raro amor

Agora meus dias
Serão magros
E mais amargos
Sem sarar

sábado, 20 de fevereiro de 2010

A mulher barbada

Depois que você estiver pronto
Depois de enfiar três balas nele
Enquanto o abridor de latas
enferruja a sua solidão na gaveta
Você verá a mulher barbada sorrir
uma careta estranha por dinheiro

Por vinte e três anos ele sentará
Sangrando no sofá da sua sala
Por vinte e três anos você ouvirá
O barulho da morte em sua cabeça
Sem que ninguém impeça que a
A mulher barbada venha lhe buscar

O passado sobrevive em retalhos
Mesmo quando é rasgado por inteiro
Você sobe ou desce uma escada e
Está lá contando piadas sujas
Por vinte e três anos você não
Poderá sorrir nem por dinheiro

No auto-falante Paulo Sérgio cantava
Seus sentimentos embalsamados
Não era possível perceber que
A inocência se sufocava aos poucos
Espremida entre a sua mão e a dele
Um pouco antes do espetáculo
O atirador de facas

Mesmo assim assim
existe uma velha vaca
espreitando o destino
o passado nega a eletricidade
necessária para ela ruminar
as palavras solidão amor e tangência

As coisas acontecem
para que os jornais possam mentir
o verdureiro diz que os seus alfaces
podem estar contaminados
essa é a sinceridade que
uma salada crua precisa para existir

Mesmo assim
ainda existe um novo destino
espreitando uma vaca nova
o futuro nega a cumplicidade
necessária para ele abandonar
a tragédia que existe em si

Já o atirador de facas
encara destemido o seu desafio
o público suspira um momento e
logo se entrega ao delírio de ver
a culpa nua montada em um
pônei geneticamente modificado