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quinta-feira, 12 de junho de 2008






PSICODELIA EM TEMPO REAL


Em 1969 existia um quê de experimentalismo no cenário artístico mundial. O clima político-econômico insultava a juventude a criar pontes entre a preservação e a destruição. A corrida armamentista, o medo de uma hecatombe atômica e a polarização do mundo entre Comunistas e Democratas; entre conservadores e liberalistas; entre razão e sentimento; entre castidade e sexo livre; proporcionaram uma cena artística plural de encontros e desencontros, sendo a inquietação uma verdadeira palavra de ordem. No meio desse furacão criativo está o disco GAL, o primeiro individual da cantora baiana.

Lá fora a psicodelia; a contra-cultura; a desilusão da beat generation; os ruídos e as colagens da música concreta; o cinismo freak; os minimalismos; o paz e amor do flower power; o criticismo da consciência negra; as palavras incendiárias dos estudantes franceses; os conflitos armados, como a guerra do Vietnã; as reivindicações dos gays em Stone Wall; a conquista do espaço; e a barbaridade das ditaduras militares, como a brasileira, espalhadas pelo mundo inflamavam a verve criativa da música pop. Essa é uma parte do combustível do disco de Gal Costa, que tem como contra-parte a colcha de retalhos do tropicalismo brasileiro, com suas citações da cultura kitch, da bossa nova, da pop art, da ironia do neo-antropofagismo e os reflexos fragmentados e descontínuos de resistência das raízes culturais brasileiras.

Antes mesmo de escutar qualquer faixa do disco você já pode sentir o clima experimental a partir da leitura da nota introdutória de Caetano Veloso na capa do disco, que mais parece um fragmento de um manifesto tropicalista. Os arranjos e direção musical ficaram ao encargo do excepcional Rogério Duprat, uma espécie de procurador geral da estética tropicalista. O disco conta também com a participação do querido maldito Jards Macalé, que toca violão e tem uma música sua gravada com arranjo experimental, “Pulsars e Quasars”.

A banda tem o genial guitarrista Lanny Gordin, destruindo o nexo das possibilidades harmônicas com dissonâncias poderosas e um timbre, que era na época capaz de fazer com que qualquer Jefferson Airplane, qualquer Blue Cheer ou qualquer Grateful Dead, repensassem os seus projetos psicodélicos. Munido de fuzz, wha wha, delays reversos, fitas magnéticas e solos alucinados, Lanny Gordin entra definitivamente pela porta da frente da história obrigatória da música criativa brasileira.

O repertório é baseado em composições de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Jorge Bem, além de “Meu Nome é Gal” de Roberto e Erasmo. O clima é completamente de vanguarda. Ecos, sobreposições de vozes, fitas magnéticas, dissonâncias, colagens e ruídos enchem esse disco de exotismo. Aqui e acolá existe um tom estético passadista, o que é proposital. Gal Costa esbanja técnica vocal, atitude, personalidade, sensualidade e rebeldia. Esse é um disco igual, ou melhor, do que qualquer lançamento internacional do período, hoje considerados clássicos. Esse é um clássico do pop universal. As microfonias e ruídos da monumental “Cultura e Civilização” atestam o quanto esse disco é eterno, o quanto esse disco registra mais do que um lapso da história.

A faixa que abre o disco, “Cinema Olímpia”, além de ser um instantâneo da época é completamente dentro do seu tempo, a par das mais ousadas viagens musicais do universo pop. “Tuareg” é exótica, na linha das narrativas benjorgeanas, com ecos da psicodelia oriental do universo lisérgico da “Frisco” desvairada. “Cultura e Civilização” é um manifesto musical, com linhas de guitarras bem espertas e fragmentos timbrísticos que são geniais em suas despretensões, uma aula oportuna para os fritadores imbecilizados pelas vídeo-aulas. “País Tropical” ganha um arranjo meio tribal, meio minimalista. O arranjo de “Meu Nome é Gal”, com orquestra e guitarras limpas, uma mistura de musak, balada, rock, atonalismo ocasional e experimentalismo é um caso a parte.

As quatro últimas faixas do disco, “Com Medo, Com Pedro”; “The Emprty Boat”; “Objeto Sim, Objeto Não” e “Pulsars e Quasars”, é experimentalismo puro. Vocalizações alucinadas, guitarras malucas, cortes bruscos, colagens, delays reversos, montagens e desmontagens de fitas magnéticas, harmonia dissonante, ruídos e climas mais do que lisérgicos formam a desestruturação necessária do convencionalismo, o que coloca essa obra na prateleira dos discos obrigatórios. Ouvir hoje a música “Objeto Sim, Objeto Não” é ter a certeza que determinadas novidades da música pop brasileira não passam de pura presepada.

A banda

- Rogério Duprat: arranjos e direção musical
- Lanny Gordin: guitarras e baixo
- Eduardo Portes: bateria
- Diógenes Burani: bateria
- Rodolpho Grani: baixo
- Jards Macalé: violão

2 comentários:

Rodolpho disse...

Ontem escutei outro disco dela, também de 1969, onde ela canta "namorinho de portão" do único Tom Zé, "sebastiana" irmotalizada com Jackson, "divino maravilhoso" do Caetano, "que pena" do Ben, entre outras... e que senhor disco!

O meu amigo, também chamado Rodolpho, comprou esse da Gal no Amilton Som, aqui em Fortaleza não achamos de maneira alguma.

Excelente chão histórico pra apresentar a Gal. As alteridades e seus vários tempos num único momento, por isso o Lanny e que figura! Recentemente assisti uma tentativa de entrevista com ele, onde garante que vai aprender a tocar guitarra, demais! Nas entrelinhas notamos que por suas complicações ele deixou de ouvir algumas coisas e que agora estão sendo apresentadas pra ele.

Ainda não tive a honra de ouvir os trabalhos novos dele.

Agora é rezar que em julho ainda encontre minha amiga Gal no Amilton :D

Abraço Marcos!

Marcos Vinícius Leonel disse...

valeu cara e que você encontre esse disco fora de série
abraços