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segunda-feira, 23 de junho de 2008


AS IMPONDERAÇÕES DE POUND

Ezra Pound é um poeta que divide opiniões e sensações. Para muitos ele não passa de um americano fascista desgraçado. Para outros ele é ilegível, ou inelegível para qualquer cadeira da academia, assim o queira a convicção ou a falta de, do eleito leitor brasileiro. Já para alguns ele é o posto, é na poesia aquele que não se substitui, sem jamais ter sido um impostor.

Não importam aqueles que o colocaram em uma jaula, num campo de concentração em Pisa, já com sessenta anos, durante três semanas consecutivas, quando as tropas norte-americanas invadiram a Itália no final da Segunda Guerra Mundial, acusado de traição por ter feito durante a guerra uma série de transmissões radiofônicas, em Roma, consideradas contrárias ao seu dever de lealdade para com os Estados Unidos.

Como também não importam aqueles que o colocaram em um pedestal supremo, concretamente construído pelos irmãos Campos e o grupo Noigrandes, arrebatando dele para o cânone alternativo da palavra, a lavra de consciência obrigatória do autor no fazer literário, nas traduções e na crítica do material poético, devidamente comparado, verso a verso, com as obras que compõem aquilo que ele, Ezra Pound, resolveu chamar de Paideuma, o repositório estético-literário das civilizações.

O que importa é que a obra de Pound é imponderável. Não basta ler a sua obra, é necessário compreendê-lo como um todo, para que se possa dimensionar a grandeza desse intelectual da era moderna. A sua concepção de que a poesia tem três modalidades: Melopéia - aquela em que as palavras são impregnadas por uma propriedade musical que orienta o seu significado; Fanopéia - um jogo de imagens sobre a imaginação visual; e Logopéia - a dança do intelecto entre as palavras; resume a sua própria obra, tão original, tão grandiosa e tão trabalhada lingüisticamente.

Muitos preferem que os seus livros sejam esquecidos e seus poemas não sejam jamais lidos, em detrimento de um sentimentalismo fácil e de um lirismo que parece ter tomando conta de praticamente toda a produção poética universal. Outros se deleitam com o leite eterno da modernidade derramado em flagrantes de colagens literárias, descontínuas e fragmentadas dos seus “Cantares”, obra inacabada, de conotação epicizante, que condensa citações literárias, crítica social, filosofia, bem como personagens e passagens históricas e mitológicas.

Já eu prefiro a engenhosidade inspirada dos poemas guardados para a eternidade no volume auto-intitulado de “Personae”. Neles o poeta se apossa literariamente e literalmente, das personalidades de grandes poetas universais, e faz poesia impregnada de mistério e história, com, fielmente, o mesmo sotaque e o mesmo estilo daqueles poetas escolhidos. São as chamadas vozes literárias de Ezra Pound. Alguns desses poemas fazem parte da manifestação de vanguarda liderada pelo autor, conhecida como “Imagismo”, movimento que também faziam parte T. E. Hulme; F. S. Flint; Hilda Doolittle e Richard Aldington, entre outros.

Dentre esses vários poemas, que são considerados menores por parte da crítica, um me chama por demais a atenção, que é “A tumba em Akr Çaar”, do livro Ripostes, lançado em 1912, paralelo ao Pré-Modernismo brasileiro, durante a chamada república café-com-leite e no preâmbulo da Primeira Guerra Mundial. Esse poema resume toda a genialidade do poeta: seu ritmo estonteante, sua perspicácia com a palavra, suas entrelinhas mal delineadas, seu intelecto privilegiado ao questionar valores e a sua arte suprema de nos levar a um tempo distante, fora do próprio tempo. Aqui está essa peça rara.

A TUMBA EM AKR ÇAAR

“Sou tua alma, Nikoptis, tenho velado
estes cinco milênios, e teus olhos mortos
não se moveram, nem responderam nunca ao meu desejo,
e teus membros leves, por onde em chamas eu saltei,
não incandescem com meu corpo nem com açafrão.

Vê, a relva leve se estendeu sobre teu leito
E te beijou com mil línguas de grama.
Porém não tu a mim.
Tenho em vão decifrado o ouro sobre o muro
E extenuado o pensamento sobre os signos.
Nada existe de novo em todo este lugar.

Tenho sido gentil. Vê: deixei as jarras seladas,
Com medo que acordasse reclamando por teu vinho.
E tuas vestes, mantenho-as brandas sobre ti.

Ah, desmemoriado! Como houvera eu de esquecer?
- o mesmo rio de anos atrás,
O rio? Eras então bem jovem.
E três almas vieram sobre Ti -
E eu vim.
E penetrei em teu corpo e as expulsei.
Tenho vivido intimamente contigo, tenho convivido,
Acaso não fui eu quem tocou tuas palmas e as pontas dos teus dedos,

Penetrou, e através de ti, e até os teus calcanhares?
Como “pude eu entrar”? Não era eu tu em Ti?

E nenhum sol vem descansar minha vigília.
E sou dilacerado pelos mil dentes da noite.
E luz nenhuma cai sobre mim, e tu não dizes
Palavra alguma, dia após dia.

Ah! Que eu poderia fugir para longe, a despeito dos signos
E todo o seu ardiloso lavor sobre a porta.
Para longe, através dos campos verde-vítreos...
Porém tudo está quieto:

Eu não irei.
(Tradução de Augusto de Campos)

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