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quarta-feira, 17 de dezembro de 2008


As cidades Invisíveis – Ítalo Calvino
A arquitetura da linguagem

Se você está em busca de novos ares e pretende reformular o seu manual de sobrevivência no imensurável entulho de informações descartáveis que bombardeiam sua vida cotidianamente, o livro “Cidades Invisíveis”, do escritor italiano Ítalo Calvino, é uma das saídas mais honrosas que se tem notícia nos infindáveis subúrbios decadentes das artes contemporâneas.

Calvino morreu no dia 19 de setembro de 1985, na cidade de Siena, na Itália, aos 61 anos, de hemorragia cerebral. Apesar de falecido precocemente, o legado artístico desse que é um dos maiores intelectuais do nosso tempo, está mais vivo do que nunca, está próspero em seu caminhar para a eternidade. O descomunal da obra desse humanista italiano não está no tamanho, mas na inventividade, na arte indelével de manipular os signos lingüísticos e perscrutar o inusitado dentro das perspectivas existenciais humanas.

Calvino começa a sua trajetória literária dentro do neo-realismo, ainda sob influência de dois dos maiores escritores italianos dessa tendência, Cesare Pavese e Elio Vittotini, bem como tendo como fluxo literário as suas experiências como combatente na Segunda Guerra Mundial, quando integrou a Resistência Italiana, contra o fascismo. Ao longo da sua existência, e já como um sofisticado discípulo de Jorge Luís Borges, Calvino mudará radicalmente a sua estética literária, mas jamais perderá a História como a sua principal referência, seja a História próxima ou distante. É dela que ele extrairá os seus substratos existenciais, imaginários, mitológicos, simbólicos e fantásticos.

Ítalo Calvino é daquela linhagem de escritores que considera a linguagem como um meio e não como um fim. Nada em seu texto é bastardo. Nada em seu texto é compromissado com a uniformidade, da mesma forma que em seu discurso nada é casual. Ele é um autor com ramificações estilísticas dentro dos conceitos do realismo-fantástico, do realismo-maravilhoso, do realismo-mágico, do surrealismo e do historicismo livre das narrativas contemporâneas, em que a simbiose entre história e ficção acaba gerando o fragmentário, o descontínuo e o impávido estranhamento da desconstrução narrativa.

O livro “As Cidades Invisíveis” tem tudo isso e mais ainda o encantamento próprio da oralidade medieval. Não é romance. Não é conto. Não é crônica e nem poesia, é um entrelaçamento narrativo, sem limites de nenhuma espécie. É aquilo que Genette conceitua como hipertextualidade, um eterno revolver de textos em um único e interminável texto. Inevitavelmente paira sobre “As Cidades Invisíveis”, bem como outras obras de Calvino, como em “Se um viajante numa noite de inverno “e “O castelo dos destinos cruzados”, a marca inconfundível deMil e Uma Noites “, de Sharazade.

Tendo como fragmento de personagens Kublai Khan e Marco Polo, Calvino arquiteta o seu discurso tendo como argumento as descrições de várias cidades feitas por Polo a Khan. O livro tem como tema se divisões: As cidades e a memória; as cidades e o desejo; as cidades e os símbolos; as cidades delgadas; as cidades e as trocas; as cidades e os olhos; as cidades e o nome; as cidades e os mortos; as cidades e o céu; as cidades contínuas; e finalmente, as cidades ocultas. Cada cidade tema tem cinco descrições, que por suas vezes são entrecortadas com diálogos etéreos e descontínuos entre Polo e Khan.

Parece tudo muito justo e muito planejado. No entanto, o que brota dessa moldura não tem nenhuma ligação com o estático, o leitor mergulha de forma ilimitada em um universo filosófico de existências, de vidas, de experiências, de objetos, de utensílios, de víveres, de afetos, de memórias, de tensões, de alusões, desilusões e projeções supremas para a libertação do espírito e do corpo, jamais visto na literatura, não da forma proposta por Calvino e sua mágica com as palavras. Eis o reino da transmutação. O símbolo tanto controla como descontrola qualquer enunciado.

Verdadeiramente o viajante italiano foi contratado por 17 anos pelo grande imperador mongol Kublai Khan, como embaixador do seu império. Marco Polo e sua trupe, a serviço do grande Khan,fundador da dinastia Yuan, na China, percorreram a Tartária, a China e a Indochina, fazendo então relatos minuciosos de todas as suas incursões. São esses relatos que entraram para a história. Calvino aproveita essa deixa da história e cria uma das mais instigantes obras de ficção do nosso tempo. Simbolicamente todas as cidades descritas por Polo têm nomes de mulheres. Cada uma com sua peculiaridade, cada uma com seu segredo, cada uma com seu desdobramento surreal.

As cidades de Ítalo Calvino são completamente diferentes das nossas, elas contém o imponderável e as possibilidades impossíveis da existência e da convivência. Laudômia, por exemplo, são três cidades em uma, uma dos não-nascidos, uma dos mortos e outra dos vivos. Em Eufêmia se troca de memória em todos os solstícios e equinócios. Em Melânia, toda vez que o viajante vai à praça ele se depara com fragmentos de diálogos, que mudam de acordo com as visitas. Em Leônia, quanto mais a cidade expele coisas, mais ela acumula coisas. Eutrópia não é apenas uma cidade, mas todas, sendo que apenas uma é habitada, as restantes são desertas. Já em Bersabéia existe a crença de uma outra Bersabéia suspensa no céu, onde gravitam os sentimentos e as virtudes mais elevadas...

Para qualquer viajante estelar das letras, essa é uma parada obrigatória. Aqui você renova os ânimos, recarrega o que tem que ser carregado e recolhe os mapas secretos das mais importantes trilhas do mundo, do submundo e do supramundo. Seja bem vindo e não dê satisfações de onde você vem e para onde você vai, o que importa é viajar.

3 comentários:

Eu, Thiago Assis disse...

O qurto parágrafo me fez interessar-me bastante pelo autor oh!
Ainda não o conheço, mas agora pretendo.

Ei, gostei desse final =D


Thiago Assis,
www.thiagogaru.blogspot.com

Marcos Vinícius Leonel disse...

Valeu Thiago, sem dúvidas esse é um dos maiores escritores da nossa contemporaneidade, dono de uma estética instigante, com linguagem trabalhada, sem imediatismos sentimentais. Esse é um escritor consciente do seu trabalho, com grande capacidade inventiva e orquestração lingüística. Sua descoberta será gratificada.

abraços

Marcos Vinícius Leonel disse...

Nos espaços em branco, apenas com grifo, leia-se Tartária, China e Indochina.