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Crato, Ceará, Brazil
Um buscador, nem sempre perdendo, nem sempre ganhando, mas aprendendo sempre

quinta-feira, 22 de maio de 2008


O cemitério recuado

E então
Vieram os tropeiros com
Seus espelhos incandescentes
E as burras ruminaram vésperas
Observando caladas os
Penitentes inalterados
Despencados da boca da morte
Com o desaperreio próprio
Dos que flutuam
Sobre os abismos
Eram horas vincadas
Pela memória que pesada ainda
Repousa sobre as pedras

E assim
O anoitecer tornou-se
Um andarilho intranqüilo
Já com a adaga infatigável
Dos pés desapropriou
As próprias tripas e
As depositou em gotas
Em minha bacia de lavar
E meus olhos viram o revirar
Da vida em dívida
Eram portas trancadas
Pela história que pesada ainda
Repousa sobre as perdas

E eis
Que eu vi Elias
Pregando no deserto
Para doze mil pedras
Expelidas pelos meus rins
E vi caírem de suas
Vestes revestidas de fé
Doze séculos de sofrimento
Prontos para serem devorados
Pelos trapezistas afortunados
Eram hortas plantadas
Pela escória que pesada ainda
Repousa sobre os ritos

A umidade do sangue
Que despenca das esporas
O líquido que escorre
Entre as pernas do medo
A saliva que escafedeu da
Língua sem deixar vestígios
O bafejo das hidras de sal
Que brilham no silêncio
Da covardia suprema
Enferrujaram nossas fugas
Eram farpas desfibradas
Pela morte que pesada ainda
Repousa sobre os tiros

E então vieram
Os soldados cultivando
A morte em conserva posta
Nas bílis ensandecidas
Retribui Senhor segundo
As suas obras e segundo a
Malícia dos seus esforços
Que triste é o contraste
Entre a soma e a subtração
Quão azedo é o vazio
Eram cruzes reificadas
Pela iniqüidade que pesada ainda
Repousa sobre o temor

Eram dias
Evacuados pelo coador
Da dor recoroada
Agora tão atroz quanto
Atroada em atos e desatos
Enquanto Fátima de Ramiro
Com seus sete espelhos cativava
As sete palavras perdidas eu
Sete vezes me rejuntava
Diante do meu temor
Eram sete vidas sopradas
Pela eternidade que pesada
Repousa sobre a morte

E então
Começaram a tombar
Como escolhas de arroz
Atentas sopradas pelo atentar
A reputação de mil covas
De milho embonecado
A dignidade embranquecida
De duas mil cuias de farinha
E a placenta retarda e vermelha
Da carne exposta ao sol
Eram hirtas horas perpassadas
Pela infâmia que pesada
Repousa sobre o azul

E então
Maria de Sitonho
A quem chamam de
Entramelada por ter nascido
Da carne de irmãos
Exibiu o seu fantasma
Enaltecido pelo clamor das
Almas esmaecidas pela injúria
E apontou para muitos
As locas severas do invisível
Eram entocas resguardadas
Pela vigília que pesada
Repousa sobre a luz

Foi quando
O relutar enlutou
Todos os untados em
Retardos atordoados
Despejando mel sobre
As trezentas feridas postas
Para mais de sete mil formigas
Predispostas pela culpa dos
Ocupados em escapar montados
Em lentos carrapatos
Eram tentativas entrevadas
Pela réstia que pesada
Repousa sobre o dia

E assim
Subjugados pelo espanto
As lamparinas e os candeeiros
Acenderam-se ao meio dia
E iluminaram a demência deletéria
Dos tapurus e das graúnas
Que choravam em grânulos
E fizeram aparecer os três potes
Encantados na pedra da batateira e
A sede perpendicular das bicas
Eram visagens reveladas
Pela volta que pesada
Repousa sobre a ida

Foi quando
Nepomuceno de Arlinda
Atravessou o tiroteio
Seguido por um grupo de
Borboletas sutis
A sua sombra já não se
Refletia no charco imóvel
E suas vísceras perambulavam por
Sobre os seus passos como
Escadas flutuantes
Eram trajetórias calcinadas
Pela memória que pesada
Repousa sobre o rumo

Sobras de nada
De mãos dadas e
Acumuladas sobre o
Espaldar da árvore frondosa
Risos e choros e fezes revezadas
Descem o rio silencioso da memória
E se ajoelham ante o cruzeiro primordial
Já é tarde isso eu bem sei
Os dentes abandonados pela morte
Amarelam frios e a sós
Eram arribações entrojetadas
Pela escória que pesada
Repousa sobre o muro

E eis que
No cemitério recuado
Perambulam os porcos
E as galinhas e as cabras
E os bodes e os felinos e caninos
E homens atormentados e mulheres
Já despovoadas de carinhos
E toda sorte de criação
Como sendo uma divina dádiva
Posta entre o sim e o não
São provações ensimesmadas
Pela graça que leve
Repousa sobre o eterno retorno



Esse poema faz parte de um projeto inédito chamado A Morte Ausente, que é uma interpretação livre da reação psicológica, sentimental e espiritual do Beato José Lourenço quando da destruição do Caldeirão. Proheto a ser lançada ainda esse ano.

Um comentário:

Carlos Rafael Dias disse...

Já disse antes em algum lugar
E aqui faço eco
Um poeta se faz com pedras
Expelidas do rim
E estas pedras rolantes
não criam musgos
É pregação de profeta
Em tempo de chuva
A espera de carne seca com jerimum