Sei que esse lance de lista definitiva é capenga e que não satisfaz a todos e é muito frustrante você não se reconhecer no gosto do outro e tal e tal e tal. Mas essa lista está longe de ser definitiva e muito mais longe ainda de ser pretensiosa sobre algum critério de escolha. Essa lista não contém nenhuma raridade, no entanto a sensibilidade é total. Ela não está dividida por datas, sexo, nacionalidade e nem estilos, apenas são os discos que me fizeram gente. Acompanharam-me em uma fase muito específica de minha vida , um adolescente sonhador em um início dos anos 70 de muitos encontros e desencontros. São esses os discos que me dissuadiram terminantemente da idéia de suicídio, que me espreitava nas horas furtivas. Por isso, a partir da minha insignificância agradeço a Deus por permitir que eles tenham feito música, cada um a seu modo, cada um com seus valores, para mim inestimáveis, imensamente.
Tom Zé - Estudando o Samba - 1975 - Só conheci esse disco em 1979, três anos após o seu lançamento. Eu era muito radical, escutava muito rock progressivo e jazz fusion e fui surpreendido por essa usina criativa, apesar de já conhecer Tom Zé, o maluco da caatinga. Muita ironia, muita poesia e muita musicalidade numa obra só. Sempre que escuto fico emocionado.
Van Der Graaf Generator- Pawn Hearts - 1971 - Não existem palavras que possam definir o timbre vocal de Peter Hammill, você é jogado diretamente entre algum planeta sombrio e uma estrela nova. Com esse disco eu descobri que podia fazer associação entre o mundo material e o imaterial. Suas letras têm um existencialismo desleixado, mas só aparentemente. A sonoridade é inusitada. Muitos falam mal do rock progressivo e muita coisa ruim foi lançada mesmo. Mas essa banda inglesa é diferente, e como.
The Jimi Hendrix Experience - Are you experienced - 1967 - Engraçado que eu só tive contato mesmo com o universo psicodélico de Hendrix já no final dos anos 70. inexplicavelmente os discos eram raros, só existiam coletâneas em catálogo. Quando eu peguei esse disco pela primeira vez, o álbum, com a força daquela capa, eu fiquei imaginando como ele tirava aqueles sons da guitarra. Busquei por muito tempo ouvir um acorde inteiro em suas músicas, foi em vão e desnecessário.
Jorge Mautner - Para Iluminar a Cidade - 1972 - A minha primeira reação foi de jogar o disco fora. Banda desafinada, cantor pior ainda e um violino que parecia tocado dentro de uma lata. Foi através desse disco que eu aprendi o que é ter atitude, postura autoral e autenticidade. Foi uma verdadeira viagem. Muito irônico, em plena cultura da resistência política. Custei a aceitar essa dose de anarquia e contra-cultura.
Ednardo - Berro - 1976 - Comprei no lançamento, tinha 14 anos. Foi delírio puro. Muito lirismo. Muito poético. A viola de Heraldo do Monte em “Longarinas” é antológica, de muita inspiração. Esse é um disco maravilhoso, singelo. Basta escutar “Passeio Público”. Foi com esse disco que eu entendi o que é a força de uma canção quando se está apaixonado.
Rod Stewart - An Old Raincoat Won’t Ever Let You Down - 1969 - Essa é uma das maiores obras primas do rock. Uma verdadeira aula de interpretação e pegada rock’n’roll. Depois do metal muita coisa virou merda. Ainda bem que essa porcaria só apareceu nos fins dos anos 80. Aqui as guitarras são lentas, com muito feeling, longe de qualquer virtuosismo. O que fala mais alto aqui é o estilo, é a assinatura da espontaneidade. Imperdível.
Fagner - Ave Noturna - 1975 - Também comprei no lançamento. Foi outra surpresa histórica. Veja como são as coisas, comprei mais esse disco pela participação dos Vimana em duas músicas. E de repente me deparo com uma criatividade imensa. Aliás, esse foi um ano muito rico para a nossa música. Esse disco tanto me deixava alegre como jogava um quê de melancolia no ar. Esse disco é insubstituível.
Milton Nascimento - Minas - 1975 - Se você não entende quais os motivos de Milton ser idolatrado por inúmeros músicos de jazz espalhados pelo mundo e por todos os amantes da música proposital, escute “Beijo Partido”, mas em um dia de chuva leve, de preferência de madrugada. Um vozeirão em forma, flutuando com primazia por sobre arranjos seminais. Quem nunca escutou esse disco não sabe o que é música brasileira.
Caetano Veloso - Qualquer Coisa - 1975 - Nesse disco Caetano Veloso supera a sua própria perspectiva de envolvimento musical. Só os gênios têm essa magia de envolver o ouvinte e fazer dele o que bem entender. Esse disco transborda emoção, sensibilidade. A impagável “Da maior Importância” deve ser escutada logo após “A Tua Presença Morena”, aí você terá um verdadeiro estado alterado da mente. As versões de Caetano para as músicas dos Beatles são verdadeiras amplidões universais. “For no one” jamais foi a mesma, nem pra eles e nem pra mim.
Luiz Melodia - Maravilhas Contemporâneas - 1975 - O máximo da desconstrução estética das letras da famosa MPB. Uma mistura de samba, samba-canção, rock e soul. Umas letras para lá de espertas, fortemente influenciadas pela estética da contra-cultura e um leve toque de tropicalismo. Com esse disco eu aprendi que ainda faltava muito para conhecer. Não sabia de nada. As obras primas “Veleiro Azul” e “Juventude Transviada” transportam Luiz Melodia para o universo dos imortais.
Frank Zappa and The Mothers - Roxy & Elsewhere - 1974 - Uma alucinação total. Dissonâncias, dodecafonia, atonalidade, tempos humanamente impossíveis de serem reproduzidos e muita improvisação musical. Banda genial. Um band leader fora do normal. Quando eu começo a escrever qualquer coisa sobre Frank Zappa eu fico emocionado, as palavras somem e sobram muitas saudades do maior gênio da música contemporânea.
Frank Zappa and The Mothers - The Grand Wazzoo - 1972 - Quando eu conheci esse disco de Zappa eu não havia tido ainda um contato mais próximo com os discos dele de grandes orquestrações. Foi uma verdadeira piração. Passei uma semana sem ir pra aula. Escutava esse disco o dia inteiro. Sei decorado, inclusive com os chiados do meu velho vinil, que já não tenho mais. Essa é uma verdadeira experiência musical.
King Crimson - Larks’ Tongues in Aspic - 1973 - Essa é outra obra iluminada. Faz parte do chamado rock progressivo, que muitos torcem o nariz, como já frisei. No entanto, poucos artistas conseguem um resultado de intensa estética musical. Com esse disco eu passei a conceber o conceito de estética musical, foi um salto na minha compreensão musical. Tornei-me mais radical ainda. Passei a não aceitar qualquer coisa. Essa é uma viagem lisérgica, cheia de teoria e prática musical. Um guitarrista único, com estilo próprio e pegada complexa. Não é para qualquer um.
Rita Lee & Tutti Frutti - Entradas e Bandeiras - 1976 - Rita Lee renega. A crítica baixou o pau. Os fãs menosprezam. Mas eu acho inacreditável. Esse disco é de uma pegada incrível, Sérgio De la Mônica e Lee Marcucci quebrando tudo na bateria e no baixo. É rock tupiniquim de primeira. Luis Sérgio Carlini em grande forma. Grandes solos de guitarra e uma Rita Lee mal humorada, na tpm existencial. Esse disco marcou muito a minha vida.
Sérgio Sampaio - Eu Quero é Botar o Meu Bloco na Rua - 1973 - Só conheci Sérgio Sampaio no final dos anos 70, digo em disco, pois a música que dá título ao álbum fez muito sucesso, mas só tocava ela. É um dos malditos que eu mais gosto, pela inventividade, pela ironia, pelo sarcasmo de um artista antenado com o que está ao seu redor. Uma grande injustiça nacional. Esse disco é emblemático. Uma mistura de MPB com tropicalismo muito bem sacada.
The Allmam Brothers Band - Brothers and Sisters - 1973 - Quando eu conheci a banda em LP eu já conhecia a história trágica do acidente de Duanne Allmam, o guitarrista irmão de Gregg Allmam, líderes da banda. O acidente marcou muito a banda. Eles viviam em comunidade e foi um choque muito grande. Eu percebi que a minha relação com a música não muito normal quando eu peguei esse LP, já em 1979, e chorei ouvindo suas faixas. “Jessica” e “Southbound” nunca saíram da minha cabeça. O disco tem belos solos sentimentais de Richard Betts, o outro guitarrista original da banda, e que hoje pilota o Gov’mule.
Black Sabbath - Black Sabbath (aquele da bruxa na capa) - 1970 - Eu ficava impressionado com o efeito da chuva na primeira faixa. Também ficava imaginando aquela carga dramática da banda, dando aquele clima ao vivo. Esse é um verdadeiro clássico de todos os tempos. Um disco que me marcou muito. A sua capa em LP era impressionante. Uma banda em grande forma, ainda com suas influências do blues americano. Esse disco não envelhece nunca.
Grand Funk - Closer to Home - 1970 - Essa foi uma das primeiras bandas que eu conheci. Testemunhei muito o meu tio escutando esse disco especificamente. Lembro que ele falava do baixo, que era muito presente. Eu não sabia distinguir o que era baixo e bateria. Um dia eu perguntei a ele e me fez ouvir o baixo de “Aimless Lady”. Foi uma das maiores descobertas da minha vida. Essa banda em particular, nesse disco um power trio, tem duas das melhores vozes de todos os tempos do rock. A voz de Mark Farner é simplesmente demais, demais, demais.
Jorge Ben - África Brasil - 1976 - Comprei na época. Uma obra prima. Marcou definitivamente a estética da música brasileira. Uma mistura suave de samba, bossa, afro e rock. As letras têm o padrão do coloquialismo, do costumismo e do nonsense e é por isso mesmo que são bacanas. Sem pretensão e sem preciosismo, coisas típicas da dita música séria. É muito gostoso ouvir esse disco. Fundamental.
Alceu Valença - Vivo! - 1976 - Também comprei na época. Esse é um verdadeiro clássico da música brasileira. Alceu em plena forma da criatividade. Um show e tanto, apesar das limitações técnicas da gravação. É dessa mistura que surgiu um monte de coisas, que recebidas como inovações pela despreparada crítica brasileira. Essa é outra obra prima. As impagáveis “Edipiana 1” e “Descida da Ladeira”, atestam o quanto esse compositor influenciou gerações e gerações de músicos brasileiros. Era cativo na minha agulha.
Alceu Valença - Espelho Cristalino - 1977 - Primeiro vi o clipe no Fantástico, depois comprei o disco quando chegou na loja. Um verdadeiro arraso. A mistura de rock e música nordestina estava muito mais lapidada. As pegadas de “Maria dos Santos” e “Anjo de Fogo” mostram o quanto essa banda estava entrosada. Paulo Lampião Rafael já começa a apresentar um trabalho diferenciado de guitarra. Esse disco é uma referência musical.
Belchior - Alucinação - 1976 - Um dos maiores lançamentos de todos os tempos. Tirou as letras da música brasileira da mesmice. Muito senso crítico, um certo materialismo niilista e um balanço da sua época bem na veia. A sonoridade desse disco é fabulosa. Os arranjos de José Roberto Bertrami - um dos músicos brasileiros mais importantes de todos os tempos, muito respeitado lá fora pelo seu trabalho de jazz fusion com a Azymuth - deram um impulso a esse disco jamais esperado. Histórico.
Zé Ramalho- Zé Ramalho (o primeirão) - 1978 - Eu vi o clipe no trailer de um filme, da música Avohai. Fiquei completamente chapado e fiz o pedido, que chegou bem depois. É um deslumbre. Letras matadoras e arranjos minimalistas. Duas participações históricas: Patrick Moraz, no obeheim, dando um clima futurista em “Avohai”; e Sérgio Dias em um solo alucinado em “A danças das Borboletas”. Esse é um disco inesquecível. Impressionante.
A saga continua...
LIVROS QUE CONFORTAM E DESCONFORTAM
- O Cânone Colonial - Flávio R. Kothe - Editora UNB
- O Cânone Imperial - Flávio R. Kothe - Editora UNB
- O Cânone Republicano - Flávio R. Kothe - Editora UNB - Essa trilogia de teoria literária brasileira é fundamental para quem gosta e precisa estudar sobre os autores e as escolas literárias brasileiras. O autor é doutor em literatura comparada e faz um verdadeiro balanço crítico da nossa literatura, sem o oficialismo do cânone. Ele justamente analisa aqueles que são tidos como unanimidades. Ele desmascara mitos e arrumações da literatura oficial brasileira. É fundamental você saber realmente quem é quem; quem copiou o quê de quem; quem roubou o quê de quem; quem é uma farsa e quem realmente gênio é, em nossa literatura. Essa trilogia espera o complemento que é O cânone Republicano II. Essa trilogia é essencial.
- A Economia das Trocas Simbólicas - Pierre Bourdieu - Editora Perspectiva - Uma tese revolucionária sobre as relações sociais.
- A Cultura Popular Na Idade Média e no Renascimento - Mikhail Bakhtin - Hucitec - Seria bom que todos os que defendem a cultura popular como o último reduto do pensamento socialista soubessem ler esse livro.
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- Malone Morre - Samuel Beckett - Códex - Simplesmente desconcertante. É excelente para quem acha que sabe escrever.
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- Poesia - Ezra Pound - Hucitec - Esse é poeta, depois vem os outros.
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- Dizem que os Cães Vêem Coisas - Moreira Campos - Maltese - É vida inteligente na literatura cearense, que vive mais de verbas oficiais do que de obras. Uma singularidade.
- Obra Aberta - Umberto Eco - Editora Pensamento - Obra imperdível sobre a estética literária. Muita erudição numa pessoa só.
- Walter Benjamim - Susana Kampff Lages - Edusp - Uma excelente introdução ao pensamento desse filósofo inusitado. Ele é um dos meus preferidos
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