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domingo, 7 de setembro de 2008

Manel de Jardim na área


Foi ontem, num show de Leninha, no novo teatro do Sesc de Juazeiro. Ele estava lá, com sua arrasadora ironia existencial, servindo como fenômeno sobrenatural para aqueles que pensam ter controle pleno dos seus domínios. Manel tocou violão, tocou baixo e fez vôos rasantes e altos, demonstrando como a magia não pode ser engarrafada e vendida como um produto capaz de transformar a sua vida. A magia de Manel é sobreviver sempre, sem desculpas e solenemente. Percebeu na segunda música que o seu violão estava desafinado, depois disso entrou definitivamente no clima David Linchiano do show e não saiu mais de lá, está eternizado em um cartaz misterioso, pregado nas paredes dos becos e avenidas do tempo.

O show teve lá suas peculiaridades que matizam ainda mais o cartel de dúvidas sobre ser o Cariri um celeiro cultural, mas o que importa é que Manel estava lá, contrariando o destino e os urubus de plantão. Sei que em todo lugar existem urubus, mas em nenhum lugar existe uma concepção existencial tão complexa desses seres como aqui no Cariri. Nós convivemos com urubus perfumados, renomados, constitucionais, religiosos, dadivosos, afetados, educadamente infames, sorrateiramente canalhas, delicadamente patifes, escandalosamente sem escrúpulos, de todas as camadas e origens, de toda estirpe empresarial e de toda sorte de opção sexual, mas sempre urubus, com suas tarjas de rapina suprema instalada em seus fígados.

Manel tem uma postura magneticamente anarquista diante da vida. Passou seis dias em coma, seu corpo sucumbiu à loucura narcotizada impostas pelas armadilhas sociais. Estranhamente fez da UTI a sua ponte de desconexão por mais de dez dias seguidos. Quando acordou, segundo ele, mais frio do que uma pedra de gelo, o médico estava passando o gel da ressonância magnética e ele ironizou: “Como é doutor, o bebê tá na posição certa?”. O médico disse que a coisa tava séria e que ele teria que tirar a sua pressão. Manel respondeu de imediato com uma pergunta: “Vai botar ela onde? A coisa ta ruim com ela, imagine sem ela”. Manel é assim, um anarquista existencial. Para ele não importa se isso é certo ou errado, sempre afirma que a vida é dele.

Mas o seu talento, Manel, é nosso, por direito, por fama e por difamação. Eu, que morro um pouco mais por dia de desilusão, senti novo ânimo em continuar convivendo com tanta alma sebosa que infesta esse velho Cariri. Mais do que nunca eu sei que devo continuar desconfiando das boas intenções do sistema, dos panos bem passadinhos, das maneiras meticulosamente ensaiadas, dos sorrisos de dentrifícios, dos diplomas conseguidos na calada da noite, e dos carrinhos mais polidos do que a autenticidade. Mas, mais do que nunca sei que a vida vai nos provê sempre uma nota bem dissonante, capaz de revelar a fraude do coro dos contentes. E você Manel, não é uma nota só dissonante, você é um acorde inteiro, ainda bem.

Saúde, meu velho, e continue metendo a mão sem medo de errar. Deixe a consciência musical para quem precisa de bengalas. Nós precisamos é de caminhos, nem que sejam fora das margens. A intuição é fora das margens. É por isso, que se retirarem os trilhos o trem não chega a seu destino. E é por isso que a mediocridade é um trem ultra moderno. Precisamos é ir. Mas ir rindo dos ridentes.

5 comentários:

Unknown disse...

Massa o texto Marcos. Eu não sei muita coisa de Manel d'Jardim. Sei que ele toca muito, na intuição. Mas essa anarquia dele é que é foda. Além de ser engraçada d+, é pertubadora de tão profunda. Tem gente que acha que é só loucura, mas a postura sem noção dele também tem um quê de "se liga mané, a vida num é só isso não".

Tem muita alma sebosa mesmo por aqui, mas parece ter muita em todo canto. Essa esperança é só a ponta de um alfinete numa bolha gigante e que não fura. Mas tomara que ele ainda consiga continuar tirando bem muita onda pelo cariri... Abraço

Rodolpho disse...

Lembro do dia que conheci Manel!

Estava de saída da casa de minha tia
na Ratisbona, que fica quase de frente a casa da tia dele, quando fecho a porta e desço os três degraus, Manel solta um grito maior que grande e tomo um susto lascado! Depois conversando com o esposo da minha tia soube que não tinha melhor forma de conhecer Manel!!
Acompanhei ele até o bar da esquina, acho que o nome do dono é Edison e dei boas risadas, acreditem...

Quando penso que ele poderia estar com Hermeto uma hora dessas... fazendo O SOM... não consigo escrever mais nada :D

Parabéns Marcos...

Ah... um dia ele falou com meu pai, Manel, e disse que estava pra gravar um trabalho autoral e que gravado logo seria vendido pelo Crato. Sabes me informar sobre algo?

Abraços!

Marcos Vinícius Leonel disse...

Rodrigo, como tem alma sebosa nessa região, cara. O pior é que são os caras mais bem colocados, nos lugares de decisão. Em outras palavras, oh bando de cafuçú.
vlw

Marcos Vinícius Leonel disse...

Pois é Rodolpho, ele está na fase final de gravação. Segundo ele, vai retomar as gravações, agora que ele está recuperado, mais uma vez, diga-se de passagem, e até o final do ano ele termina esse cd. Manel é músico do caralho. Diz ele que essas oportunidades todas tem muita lenda no meio. Pode ser que sim, mas eu sei de várias oportunidades reais que ele não abraçou, tanto aqui como em São Paulo.
vlw

Unknown disse...

É, certeza...
vlw