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quarta-feira, 12 de agosto de 2009



O resto é ruído
Escutando o Século XX – Alex Ross


A complexidade da arte no século XX é verdadeiramente inegável. Suas várias tendências e suas várias implicações histórico-filosóficas exigem agora uma reapropriação desse material denso e opaco para uma melhor leitura e compreensão. No campo da música clássica esse é um livro que preenche essa funcionalidade com uma invejável grandeza e fôlego, fornecendo referenciais e propondo redimensionamentos essenciais. “O Resto é Ruído – Escutando o Século XX”, de Alex Ross, editado pela Companhia das Letras, 679 páginas, tem lugar garantido em qualquer estante destinada às obras fundamentais.

Alex Ross é um renomado crítico musical americano. Só mesmo a hipocrisia e a falta de maturidade intelectual podem contestar o papel da crítica em qualquer ambiente artístico. Alex Ross é crítico de música clássica contemporânea da revista “New Yorker”. Além de um vasto conhecimento teórico de orquestração e harmonização, ele também apresenta nesse livro estupendo, um meticuloso trabalho de pesquisa documental, que resulta na revelação de um complexo aparato histórico que deu sustentação para a origem das inúmeras tendências analisadas tanto no cenário da música clássica contemporânea, como no jazz, no rock e no pop.

Ao longo de quase 700 páginas, Alex Ross mostra como o mundo viu a ideologia romântica austro-alemã dar lugar a uma multiplicidade de tendências que surgiram a partir do abandono gradativo da tonalidade em busca do atonalismo, do serialismo, das intervenções, do minimalismo, das colagens, dos ruídos e das preparações eletrônicas. O grande lance de Ross é ressaltar como a música, e qualquer expressão artística, não se desvencilham do seu tempo, da sua política, da sua economia, da sua filosofia, da sua cultura e dos seus arquétipos. Outra cartada de mestre de Ross é evidenciar a influência direta dos bastidores no resultado final das relações de trocas no mercado simbólico da dita música séria, de concerto.

Depois da leitura dessa obra-prima você compreenderá perfeitamente como os dois grandes conflitos mundiais foram importantes para o surgimento do radicalismo em experimentações estéticas das mais diversas. É muito gratificante entender como a ação de regimes totalitários como o nazismo, o fascismo, e o comunismo, bem como a esquizofrênica democracia americana da guerra fria atuaram diretamente no cenário musical de forma nefasta e hedionda. Da mesma forma que é possível, logo nos primeiros contatos, conceber o quanto que, infelizmente, é plausível a presença do preconceito racial, econômico e sexual, por trás dos grandes nomes da música clássica.

Em “O Resto é Ruído”, Alex Ross esmiúça obras, autores, grupos, escolas, tendências e dissidências da música clássica do século XX e XIX, com um conhecimento de causa impressionante. Ele aponta relações estéticas, influências e desdobramentos a partir da análise cuidadosa de grandes obras, cada uma inserida em seu tempo e em sua localidade. Assim fica fácil perceber que o velho mundo não é civilizado como se pensa. Ações e reações se misturam em uma dialética social em que o extremismo e a violência imperam, sejam de forma material ou imaterial.

Além disso, e de outras vertentes embutidas na composição dos capítulos, o leitor encontrará subsídios suficientes para a explicação da decadência e estagnação da música clássica e da conseqüente transformação dos repertórios em verdadeiros museus. Outros mitos também são desnudados, como por exemplo, a concepção imaculada de que a música clássica não tem brega, não tem música de má qualidade. Entre inúmeros nomes e tendências, Alex Ross vai mostrando quem é quem no cenário da música clássica do século XX, quem atravessou o século XIX como canastrão é quem realmente é responsável por abrir portas e determinar tendências. Na realidade, tudo isso escrito até aqui, é muito pouco em relação ao que esse livro pode oferecer de fato. É necessário que você leia, e acima de tudo, escute.

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