AQUI VOCÊ ENCONTRA ARTES, DERIVAÇÕES E ALOPRAÇÕES

Quem sou eu

Minha foto
Crato, Ceará, Brazil
Um buscador, nem sempre perdendo, nem sempre ganhando, mas aprendendo sempre

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009






Torquatália
Torquato Neto em obras reunidas


A editora Rocco lançou obras reunidas de Torquato Neto em dois volumes, com organização de Paulo Roberto Pires, sob os títulos de Torquatália Volume I (do lado de dentro) e Torquatália Volume II (geléia geral). Todos muito bem organizados e muito bem pesquisados, mas com capas poquissimamente transadas, como diria o vampiro, o nosferatu urbano. Mas o que importa é o conteúdo, é estar por dentro, sem deixar nada por fora, sem deixar de constranger o constrangimento.

Dos dois um me chamou mais a atenção, o volume dois, que tem as colunas escritas pelo poeta piauiense, o período do Jornal dos Sports, com a coluna Música Popular; a curta colaboração no encarte Plug, do Correio da Manhã; e a deliciosa fase da coluna Geléia Geral, do jornal Última Hora. São escritos deferidos à queima roupa, em grande estilo bang, visceralmente passionais, desbundadamente transados, sem grilos, desbaratinados, sem nada nos bolsos ou nas mãos, apenas uma câmera na cabeça e um cometa iridescente entre os dedos, deixando um rastro imenso de história viva.

Todas as referências históricas, tidas ou retidas, são narrativas vivas - no sentido de Baudrillard - tenham ou não cursividade e sem nenhum cunho de verdade absoluta. Mas existem algumas referências históricas que são imanentes em suas revelações e que acabam por traduzir o idioma mais estranho do significado. As colunas de Torquato, que não era Hércules e nem Quasímodo, servem para desmoronar mitos e relíquias, reconstruindo, elas mesmas, um novo descaminho para a indulgência sub-repticiamente engalanada pela benevolência crítica.

Lendo os escritos da coluna Musica Popular, em que o então paladino das purezas estéticas postula suas fileiras de resistência cultural à invasão globalizada do rock e outras milongas, fica fácil perceber que aquelas velhas paridades dialéticas entre o velho e o novo, evidentes em um Brasil remoto(?) da Semana de Arte Moderna, estavam mais vivos do que nunca. Sendo que curiosamente o lado da vanguarda clamava pela tradição, assim, a palavra que mais se escreve é samba, em que se deve ler preservação; imobilidade; gôndolas de mansinho na mesmice; defesa inconteste da isonomia cultural brasileira.

Torquato escrevia sinceramente e deliberadamente determinava seus domínios e seus redutos. Já era ditadura em seus princípios. A esquerda defendia o que era “nosso”, purificada cultura cabocla e popular. A direita se quedava ante os encantos reacionários americanos. A igreja agradecia os milagres da repressão. A sociedade prosseguia com sua extensa marginalia provinciana. O mercado fonográfico assumia ares demoníacos e capitalistas. Surgiam Chico Buarque, Gilberto Gil, Sidney Miller, Caetano Veloso e Sérgio Ricardo, entre outros, que defenderiam nos grandes e pequenos festivais a música brasileira das impurezas. Era o tempo de marchas, modinhas, sambas e similares.

O grande inimigo era o iê-iê-iê na forma de pastiche e a tendência de eletrificação da música popular. Há quem afirme que era o proto-rock brasileiro. São incríveis as secularizações dos ambientes, das pessoas, dos artistas, dos empresários e da convivência cultural no eixo Rio-São Paulo, registradas por Torquato Neto, nem sempre com propriedade crítica, mas sempre munido de opinião e coragem, verdadeiramente os únicos recursos que nos podem salvar dos Chapolins Colorados da ética e das etiquetas intelectuais.

Já no período final dessa fase, com a decisão de eletrificação da música por Gilberto Gil, registrado em artigo do dia primeiro de outubro de 1967, sob o título de Compositores e Críticos, é muito delicioso perceber como a percepção intelectual de uma grande figura começa a ser moldada em pleno conflito ideológico. É muita riqueza existencial: eis o verdadeiro pf cultural, alimenta o espírito e a conduta, sem afetações ou messianismos. Para alguns exegetas mais apressados aqui se delineia um dos principais ingredientes existenciais que culminariam no suicídio de Torquato Neto, em 1972.

É muito legal perceber como a mudança ideológica, diria até, a busca incessante, modifica o signo e a linguagem. Bem mais maduro esteticamente, mas grandemente dialético ideologicamente, Torquato se mistura, se mescla, se traveste de outras faces e de outras facetas. Uma sintaxe fluida ao mesmo tempo em que fragmentada e descontínua, apresenta fatos, versos e versões sob um olhar atento aos novos tempos ao mesmo tempo em que desatento aos mesmos contentos. Eis o vampiro, que não se cansa de transfusões. Adoro o som dessa metralhadora giratória. Algumas coisas devem ser realmente metralhadas, diante da sensibilíssima alienação dos cânones.

É de lá, da famosa Geléia Geral, que se erguem e se espalham os baratos, os grilos, as transas e os parangolés opinativos de maior grandeza. Os laços afetivos se expandem pouco, mas se solidificam em trincheiras acesas, em guetos, em células de resistência, em aparelhamentos e patrulhas, como estrategicamente queriam os criminosos da ditadura militar, agora em plena tragédia social. Torquato escreve e pensa sobre cinema, música e arte em geral. Torquato confessa e exibe suas inquietações, escreve poesia e deixa um rastro indelével em nossa cultura. Nas entrelinhas é possível perceber o fim trágico, mas jamais o término, pois isso não se finda, se desdobra em encantamento.

Alguns detalhes transformam curiosidades em outras narrativas. Em momento nenhum se lê a palavra, o nome, a entidade: Tom Zé, a não ser pelo organizador, na cronologia inserida como último capítulo. Hermeto Pascoal também não é citado, como também Rogério Duprat. E deveriam? Em nenhum momento existe menção direta ao Tropicalismo, como um movimento, em nenhum escrito de nenhuma coluna. São apenas ossos do ofício? Leia o livro e tire suas conclusões. Eu recomendo, do alto da minha insolência crítica.

Um comentário:

Mr. brBlues disse...

Prezado marcosleonel,

achei seu blog em meio a pesquisas sobre Torquato Neto e o achei bem interessante. Gostaria de convidá-lo a visitar o Boteco Cultural, no qual se encontra postada uma menção ao poeta tropicalista.

Abraços

http://www.botecocultural.com.br/?p=1595