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terça-feira, 1 de julho de 2008






MUTATIS MUTANTES

Esse disco é a primeira divisão da célula criacional dos Mutantes. Depois de dois discos extremamente influenciados pela estética tropicalista e pela lisergia psicodélica via Sargent Pepper... dos Beatles, um lançado em 1968, intitulado Os Mutantes; e outro lançado em 1969, intitulado apenas Mutantes; o irreverente grupo paulista lança o seu terceiro disco, em 1970, intitulado “a divina comédia ou ando meio desligado”, assim mesmo em minúsculo e quilométrico, já bem mais maduro musicalmente e apontando para outros nortes.

As colagens musicais, os ruídos, as dissonâncias espaciais, as intervenções, as citações pop e as orquestrações de vanguarda de Rogério Duprat já não se faziam presentes com a mesma intensidade de antes. Com a prisão e o exílio seqüente de Gil e Caetano havia um prenuncio de fim do Tropicalismo e esse disco traduz um pouco disso. O início dos anos 70 anunciava também o fim do flower power e uma modificação no som vindo de São Francisco. Com o fim dos Beatles, mais do que necessário, outras bandas inglesas começavam a dar o ar da graça, renovando a musicalidade pop.

Depois de umas longas férias, após um intenso ano de participações em festivais e shows no exterior, Os Mutantes aparecem renovados e com nova formação, agora com Dinho e Liminha definitivamente como integrantes. A mudança foi muito benéfica. O humor e a ironia corrosiva voltaram com a carga toda, agora sobre um tapete sonoro muito mais consistente e um guitarrista muito mais presente. A sonoridade havia mudado como também havia mudado a estética dos textos, bem mais ousados e bem mais contestadores naquilo que os incomodavam mais.

Se em 69 existia um patrulhamento ridículo contra a rebeldia elétrica do rock, chegando os instrumentos elétricos serem proibidos nos festivais, como sempre a burguesia é burra e a classe média paquiderme, eles voltaram muito mais rockeiros ainda, com o volume no talo. Agora era possível perceber que eles faziam perfeitamente o perfil de uma má companhia. Os puristas tremeram com a versão anárquica de “Chão de estrelas”, um clássico da velha guarda. Para completar a quebra de tabus o disco ainda trazia uma ode psicodélica ao coisa ruim, a hedonista e satírica “Ave Lúcifer” e uma carnavalização sacra com a esquisita “Haleluia”, uma espécie de fusão rockeira entre o sagrado e o profano.

Se existia um moralismo aniquilador, causado pela histeria sado-militar, eles voltaram ainda piores, agora incitando o amor livre, na irônica “Quem tem medo de brincar de amor”, com Rita Lee cantando com sotaque americano, além de uma capa transgressora, aloprada, com uma adolescente nua descendo aos infernos, por uma tumba aberta, sob os olhos de dois sacerdotes, sabe-se lá de que credo. Essa intertextualidade com Dante faz menção àquilo que se teria como demoníaco naquele Brasil totalitário, com grande parte da igreja apoiando a ditadura. Na contracapa Rita Lee está em uma cama entre os dois irmãos, dando a entender que estão nus debaixo dos lençóis, ao lado está Dinho como se fora um guarda-costas, vindo diretamente de um campo de concentração alemão.

Duas baladas fenomenais e uma sátira se encarregaram das vendas razoáveis do disco, a insinuante “Ando meio desligado”, e a irônica “Desculpe, Babe”. “Hey boy” é uma sátira ao padrão de consumo machista da burguesia paulista, que faz do carro uma extensão do falo, com uma instrumentação woo bop, bem anos 50.A versão de “Preciso urgentemente encontrar um amigo”, um meio sucesso e um meio protesto de Roberto e Erasmo Carlos, é simplesmente impagável.

As provocações sonoras aparecem com as geniais: “O meu refrigerador não funciona”, um blues modificado, com uma letra em inglês sugerindo uma necessidade sexual fora do normal, cortada bruscamente pelo estranhamento do verso universal da necessidade pós capitalismo industrial, que dá título à música; “Jogo de calçada” é um rock com várias mudanças de andamento e uma guitarra agressiva, cheia de fuzz; “Oh! Mulher infiel” encerra o disco com a irreverência sonora de sempre, agora com um instrumental bem mais rockeiro e uma guitarra solando em uma cama de distorção e trêmulo, preparando o terreno para os próximos discos: “Jardim Elétrico” e “Mutantes e seus Cometas no País dos Baurets”.

1970 foi o ano do glorioso tri campeonato mundial no México, o ano da famigerada campanha fascista de amor à pátria: Brasil ame-o ou deixe-o. Foi também o ano em que Dom e Ravel apontaram o dedo com a infame música “Você também é responsável”, além de muitos outros acontecimentos significativos e infames, que não cabem ser discutidos aqui por motivo de espaço. Mas foi também o ano em que os Mutantes meteram o dedo na ferida do moralismo católico-totalitário da sociedade brasileira. Meteram e foi sem vaselina.

A banda
Arnaldo Baptista - teclados, baixo e voz
Rita Lee - voz, percussão e efeitos
Sérgio Dias - guitarras, baixo e voz
Arnolpho Lima Jr. (Liminha) - baixo
Ronaldo P. Leme (Dinho) - bateria

4 comentários:

Rodolpho disse...

Tive a honra de ir o show no Abril Pro Rock em 2007, juntamente com outros amigos do Crato.
E realmente é mágico... a sensação é que Beatles ou Led Zeppelin estarão no palco.
O Arnaldo prova que existe algo mais no homem que a materialidade da carne. A cada toque de Sérgio a emoção que fica é de estarmos vendo o último guitarrista do mundo em ação, o tempo não existe mais. O Dinho foi o que me chamou maior atenção no final, uma pegada extraordinária, um timbre de bateria único, além de ritmo, uma melodia, um sentimento próprio.

Infelismente sem Rita sem Liminha.

Garanto, não ouvi a voz da Zélia uma única vez.O que me faz crer que o Arnaldo tem razão, o Sérgio tá cagando o p--. Depois dessas apresentações iniciais o Arnaldo queria montar um trio, com Sérgio e Dinho, mas o caçula dos Baptistas preferiu o esquemão com as grandes gravadoras... isso saiu em entrevista do Arnaldo para o Diário do Nordeste devido ao lançamento de seu livro.

Marcos, já ouviste a nova faixa,
"Mutantes Depois"?

No livro do Calado ele conta a história da capa. Arnaldo cavou um buraco na casa de seus pais, no bairro da Pompéia e fez todo o cenário e é ele que está saindo do submundo. A contracapa foi uma espécie de catalizador para o casamento de Arnaldo e Rita. Ou eles já haviam se casado? Não lembro bem.

Mutantes é Mutantes :D

Abraços Marcos !

Marcos Vinícius Leonel disse...

Não ouvi a faixa, onde encontro?

Cara eu li essa da capa e fui atrás dessa conversa e o B. Mascarenhas que é um dos estudiosos dos Mutantes, não confirmou a conversa, disse que isso é lorota para mitografia, mas em se tratando de Mutantes, tudo pode acontecer, hehehehe, depois eu li num forum essa história do buraco contada pelo produtor do disco, na dúvida eu preferi a informação do release original do disco, no rascunho do meu post eu falei sobre esse lance, mas tive que retirar pois estava longo demais.

Na realidade eles já estavam "ajuntados", o que durou um bom período, e que diz a lenda que foi pelo final do romancve que Arnaldo tentou suicídio. Quando eu trabalhava no Sebo de Elite em São Paulo, o Arnaldo freqüentava bastante a loja, visivelmente sob efeitos de medicação pesada.

Cara eu acho o Sérgio Dias um dos maiores guitarristas do mundo, mas ele é que é problemático, muito egocentrista. Eu já ouvi a Zélia Duncan afirmar em um programa, o Sem Censura, que ela estava cansada de ensaiar uma coisa e no show ser outra completamente diferente, com Serginho mudando tudo nos bastidores, inclusive eliminando partes de vocais por instrumentais, mas afirmou que o motivo da sua saída foi realmente a carreira individual. Também já ouvi a Simone Soul comentar sobre os bastidores, dizendo que muitas vezes o clima era tenso nos shows da turnê européia, devido a essas mudanças inesperadas

Rodolpho disse...

Gostei muito do trabalho do Calado, Divina Comédia dos Mutantes, mas sempre vi um lado fã que talvez atrapalhe na aproximação da realidade da banda. Ele prefere narrar longas viagens lisérgicas à geneliade iventiva do Claúdio Cesar, diga de passagem, outro ser humano no mínimo misteriosíssimo.

O Mascarenhas tem algo publicado sobre os Mutantes?

Baixei a nova faixa num link posto no site oficial da banda, chama-se "Mutantes Depois". Estou ansioso em poder ouvir o novo trabalho, quase todas as faixas são em parceria com Tom Zé, então... :D

Eles já mereciam uma bibliografia maior.

Sebo de Elite, ainda na ativa?

Não entendo como a discografia do Arnaldo ainda não foi digitalizada,
acho o trabalho noo Patrulha do Espaço muito bom. Mais um descaso!

Se não engano o Arnaldo já possui mais de uma biografia, mas achar que é bom esses livros, nada, fico p da vida!

Esperar que o Sérgio não faça mais besteiras por aí... gosto da Simone Soul, ela caiu bem na banda!

Abraços Marcos.

Marcos Vinícius Leonel disse...

Na verdade eu ouvi aí na rede um papo de que ele não teve tanto acesso assim como a gente pensa sobre detalhes das formações e do tempo deles de ensaio e shows, segundo me consta, os irmãos não são fáceis de se lidar. E se você olhar direito para a foto do divina... não parece de forma nenhuma com corpo de homem, é mesmo uma adolescente, com seios e cintura bem fina, alguns já especularam que era Rita Lee, com cabelos pintados e tal. Parece que eles não querem muito assumir as loucuras do tempo da Cantareira não, dá a entender que eles preferem mais uma imagem mais clean atualmente, mesmo por que a barra que Arnaldo passou foi muito pesada, primeiro caso de autodestruição por drogas no rock brasileiro. Outro dia vi uma entrevista deles
no programa do Serginho e Arnaldo não falou coisa com coisa.

O Mascarenhas tá pra lançar uma biografia não autorizada, mas não sei o que aconteceu, pois seu blog saiu do ar e não encontro mais nada dele na net, não sei se tá rolando processo ou coisa parecida.

Cara Arnaldo tem uma verdadeira obra-prima que é "Cê tá pensando que eu sou loki?", um disco completamente alucinado, vou fazer uma resenha em breve dele. É um dos poucos que eu conheço em cd.

Valeu a dica da faixa, vou acessar.

Abraços