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domingo, 24 de agosto de 2008


As visões de Veja

A revista Veja publicou recentemente uma extensa matéria sobre o ensino brasileiro, fundamentada em uma pesquisa que ela encomendou ao CNT/Sensus. Nessa matéria de capa a revista endemoniza o sistema educacional brasileiro e aponta o fracasso do ensino a partir de uma colocação dos nossos melhores alunos em um “ranking” mundial de 57 países, com um posto abaixo da qüinquagésima posição. Como sempre, em todas as matérias espetaculosas da revista, existem mais conotações do que denotações.

A revista Veja tem se notabilizado pela linha editorial investigativa, o tanto quanto pela sua irresponsabilidade em apontar o seu dedo sujo para alvos diversos. Por diversas vezes a sua falácia já foi comprovada. Em muitas matérias que visam o estardalhaço, o discurso de veja não passa de uma flatulência sorrateira de uma quiromante absorta em embaralhar suas cartas. Realmente os sistemas educacionais brasileiro e mundial tendem ao fracasso, mas não pelas razões apontadas pejorativamente pela revista, que se auto-intitula como a pitonisa educacional, baseada em estatísticas bastardas e ilhadas constatações de campo.

A conotação da matéria é que o fato de 90% de professores se acharem preparados para darem aula e 89% de pais com filhos em escolas particulares se darem por satisfeitos com o serviço prestado, constitui uma cegueira nacional, uma histeria abobalhada de despreparados, tanto professores como pais. Mas de parvo mesmo o que existe em demasia é a argumentação da revista, que atribui a culpa do fracasso dos alunos brasileiros em “competições” internacionais à doutrinação de esquerda a que eles estão submetidos feita por um batalhão de professores admiradores de Karl Marx. Mais hilariante do que isso é a própria “vidente profissional” achar que essa matéria irá suscitar uma lúcida e ampla discussão sobre o assunto.

O discurso mascarado da Veja, antes de tudo é mambembe, sem embasamento científico nenhum, muito menos coerente com o verdadeiro cerne da questão. Munidos de dados e jogadas ao acaso, os paladinos jornalistas autores da matéria, desfilam um batalhão de bizarrices fantasiosas, muito mais para o baile do vermelho e preto do Flamengo, com seus travestis tresloucados, do que para uma tentativa de texto jornalístico real. Verdadeiros disparates porcos foram jogados às pérolas.

A revista reivindica o tempo e a urgência da tecnologia globalizada como fatores preponderantes para um ajuste radical no compêndio pedagógico brasileiro, e no entanto não toca no assunto da grade curricular; no modelo arcaico de universidade; na metodologia de ensino, que beira o Iluminismo; e nem na dicotomia secular entre profissionalização e formação acadêmica de pesquisa, duas vertentes paralelas do conhecimento no processo de formação do aluno. Em detrimento a tudo isso e mais uma outra gama de implicações associadas, a revista preferiu dar ênfase a um fenômeno transversal, que nem desvenda e nem cega o caminho da aprendizagem: “o perigo da doutrinação de esquerda dentro das salas de aula brasileiras”.

“Muitos professores e seus compêndios enxergam o mundo de hoje como ele era no tempo dos tílburis. Com a justificativa de ‘incentivar a cidadania’ incutem ideologias anacrônicase preconceitos esquerdistas nos alunos”, afirmam os autores da matéria, em tom panfletário, muito mais protéticos do que patéticos, conotando como solução para as cáries do ensino brasileiro, uma dentadura postiça produzida em série, esculpida com a velocidade da luz pelo mais científico de todos os lasers do american way of life.


É claro que existe um anacronismo gritante na postura de esquerda de muitos educadores, que se valem de axiomas marxistas ultrapassados. No entanto, mais do que anacrônica é a postura macarthista utilizada pelos autores da matéria para deslegitimar uma doutrina e legitimar uma outra, embutida na ideologia capitalista de readaptação constante do indivíduo ao meio para não se tornar fraco, sem competitividade, que é a teoria da evolução das espécies, de Darwin. Vale salientar aqui que a campanha histérica empreendida pelo bufão senador Joseph MacCarthy, contra o pensamento de esquerda nos Estados Unidos, deu-se na década de 50, do século XX.

De lá para cá os Estados Unidos, educadamente munidos de alta tecnologia e armas, com seus alunos altamente preparados para o ingresso na economia de mercado, de monstruosa competitividade, construíram uma história alarmante de extermínio da natureza e de crimes hediondos em larga escala contra sociedades do mundo todo, em sua ensandecida cruzada política de “preservação” dos “princípios democráticos”. Nesse sentido a colocação de dados na matéria sobre citações de personalidades socialistas nas salas de aula, tais como “o guerrilheiro argentino Che Guevara, aparece com 86% de citações positivas, 14% de neutras e zero, nenhum ponto negativo”, é digna de um araponga da Agência Brasileira de Inteligência, infiltrado atrás das linhas “inimigas”, mas atrapalhado em seus conceitos na sua tentativa rabelaisiana de derrubar o “contra-sistema”.

Praticamente todas as universidades européias estão impregnadas com o pensamento marxista, bem como uma parcela significativa de doutores e docentes livres que ministram aulas nas universidades americanas. Da mesma forma essas mesmas universidades estão impregnadas com o cartesianismo reducionista e todas as velharias teóricas ultrapassadas do conhecimento ocidental, que tanto têm servido à concepção desenvolvimentista do capitalismo. Não existe nada de novo no ensino mundial que seja capaz de projetar o aluno para um futuro promissor no convívio social. O modelo continua o mesmo, com o agravante da transformação das escolas em empresas, e por contigüidade, a adoção da produção em série.

Há muito que não se educa. Isso vem desde o modelo enciclopedista de Diderot e D’alambert e o cientificismo positivista, em que a independência crítica foi substituída pelo chamado “pensamento lógico”, reivindicado pela pastelança da matéria. Esse modelo adestra, desenvolve habilidades emparedadas pelo cânone acadêmico. Quanto mais o aluno avança nos estudos, mais ele se torna especialista em diluir o pensamento alheio em suas menores partes. Enquanto isso ele perde a visão do conhecimento como um todo, sem nem chegar a um senso crítico. O que nada mais é do que a reificação do individualismo e a legitimação da competitividade. Essa é a exigência da cultura de massas, de quem esses jornalistas são filhotes, devidamente raciados por alguma pós-graduação. A cultura de massas não acolhe divisores, mas sim reprodutores.

Portanto, a dadivosa indignação dos autores da matéria sobre o ensino brasileiro é um embuste, não passa de uma cena de histerismo escatológico de uma prostituta traída por seu cafetão com uma prostituta bem mais velha. Os próprios jornalistas servem como exemplos do fracasso escolar e completa falta de perspectivas de solução. A Veja continua com seu encantamento de espia, mas só para broncos.

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